quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

Sem fim


Há noites de insónias, noites e muros frios por entre os olhos
Há histórias passadas...ecos com sonhos guardados e viagens paralelas
Lembrar é voltar…voltar ao tempo dos muros frios e sombrios por entre os olhos.
Pensar é cair…sacudir os ombros…e andar...voltar a cair
Simplesmente andar sem parar...e cair...voltar e cair
Olhar de longe a imagem de um sonho prestes a terminar
A casa…a casa sem estrutura, toda de branco, suspensa no tempo
As portas e as janelas não tinham fim
Tudo era branco, tudo no fim daquela rua era a neblina e a casa…
A casa entrava por ali com o homem também vestido de branco
Mas a rua era imensa…medonho aquele lugar escuro e sombrio
E ela caminhava solitária sem saber para onde
Simplesmente caminhava em direcção ao sonho
E ele... o homem olhava-a de cima do seu semblante branco
Todo ele era branco, o cabelo, os olhos, o traje arrastava-se lento
Os pés descalços, imaculados
E ela descalça na rua escura, caminhava só pela rua escura, sem fim
Sem um único fim à vista
Ele olhava....insistia em olhá-la de cima do seu semblante daquela varanda com recortes brancos a iluminarem-lhe os passos.
Ela caminhava e olhava, simplesmente olhava para cima
Só havia a rua escura, a neblina e o céu….
Só o céu se sobrepunha ao cenário onde se construíra a casa toda de branco
E o homem….
O homem a olha-la de cima como se todo ele fosse a luz...e ela...
Ela lá continuava pela sua rua escura, sem fim,
Sem um único fim

Dolores Marques (ÔNIX)


sexta-feira, 25 de dezembro de 2015

Mensagens do tempo


Sempre que me faço estátua
Nas tuas mãos
Sôfrega de um olhar atento
Lês-me imagens fidedignas
De um sonho distante
Mas presente nas mãos calejadas
De quem sofre por medo
Do tempo

É este vento
A cortar-me o ar que respiro
A dizer-me de um sítio
Onde encontrar
A rosa dos ventos

Calada
Inerte
Sem norte
Nascente
Ou poente

Jaz num pedaço de papel
Que me escreveste
Enquanto eu dormia
Sem me agasalhar
Deste frio desnorte

segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Universo das Relações Humanas


Assisti em tempos a uma palestra, onde se abordavam assuntos, cuja temática pressupunha a discussão sobre as relações humanas. Às tantas, e porque não se tratava de um grupo coeso, instalou-se a polémica, uma vez que nem as duas mulheres e nem os dois homens que formavam a mesa, assim como os participantes onde eu me incluía, se entendiam. Quase sempre, a última palavra era a dos homens, caso não se colocasse uma ordem naquela desordem ali plantada.
Mas, como ia dizendo, o mote que nos havia ali puxado a todos era de uma importância ainda credível, isto para quem se preocupa ainda com estas coisas – as relações humanas. Devido à imensa confusão instalada na sala, o objectivo com que firmemente se tinha iniciado, deixou-se abater em cima da mesa, mesmo ali, defronte daqueles que tinham dado uma certa importância à coisa. Os tais dois homens e as duas mulheres.
Alguns participantes, dos dois géneros, já tinham abandonado a sala, porque as suas ideias até já tinham sido debatidas, porém, desprezadas por uma maioria ainda considerável. Mas, apesar disso, a minoria que ainda ali se reorganizava, apesar de ter engolido uma série de conceitos, por conta de uma outra teoria sem pés e cabeça, chegou-se à frente, aniquilando a importância que todos tinham dado à coisa, ainda antes de entrarem na sala.
Misturaram-se todos, e continuaram a fazer valer as suas opiniões, dentro dos parâmetros considerados normais, ao bom funcionamento da sequência da ordem de trabalhos, da Palestra agora reduzida a pouco mais do que uma conversa de café. A mesa de honra, antes ocupada pelos oradores, tinha dado lugar a um ou outro par de pernas do género fêmea, que excluíam logo à partida qualquer discussão séria que ali se quisesse impor.
Por fim, e porque tinham mesmo que dar a palestra por terminada, para se escrever sobre o ali discutido, tiveram que colocar a discussão à votação:
Tratava-se então de se saber, como, e em que condições normais de coabitação, alguém, se limitava simplesmente a Ser Pessoa, sem qualquer ordem imposta pelo parceiro. Tinha-se dado início à abordagem mais carismática dentro do universo das relações humanas - a relação entre o casal.

Posto isto, deixou logo de ser importante tratar-se de um casal, homo…, bi…, hetero…, ou transsexual. E, também, porque dentro das relações humanas ali discutidas, já se tinham engolido e até cuspido todas as outras, restando, sobretudo, a relação que é mais do que tudo, e que todos dizem apelidar-se de Amor.
- Balelas é o que é! - Diziam duas mulheres sentadas agora no chão.
- Bolas, mas então o que leva duas pessoas a relacionarem-se, a dormirem juntas, a acordarem juntas, a zangaram-se juntas, enfim, o que é? - Insistia outra que não tinha saído ainda do mesmo lugar que ocupara no início.

Um dos dois oradores do género masculino, que até ali, ocupara na mesa, o seu devido lugar, tinha já como objectivo uma das questões agora ali levantadas. As pernas longas e bem trajadas da mulher que entretanto se sentara em cima da mesa. Este decidira-se então, pelo ali cruzamento das pernas, cujas meias de liga se assumiam, um tanto desprotegidas.
A Mulher que ocupava ainda o mesmo lugar levanta-se e abandona a sala. Acho que o fez, por ter chegado à conclusão, que ali não se aprendia nada que a fizesse perder mais tempo.
Ficou então a sala mais composta, com as restantes mulheres, tal como o que restou dos homens, a tentarem cada qual ganhar poder, e por isso, - a Discussão. Insistiam uns de um lado e os outros do outro, até que, às páginas tantas, uma das mulheres, decidiu contar ali a sua experiência de 20 anos de casamento.
Focou-se na paixão, no carinho, no amor que nutriam um pelo outro, e no sexo. Foram todos unânimes em dizer, que a qualidade do sexo é que faz com que uma relação seja eterna. Depois, alguém decide irromper por aquela discussão assoberbada, e afirmar que a luta pelo poder existente nas relações humanas, é exactamente igual às lutas de poder que se conhecem. A cada dia que passa, medem-se forças, tendo em vistas, um clímax estranho. Opina ele, opina ela, opinamos todos. Aliás, todos queremos colocar um ponto final na nossa história e na do outro.
Porém, só quem for veementemente castigado por todos os géneros de manipulação, sabe como se dão estes encontros, onde o poder quase sempre se assume único na forma, por ser detentor de uma película inviolável, onde o prazer se contém, como se de um espermatozoide se tratasse.
Falou-se depois nas circunstâncias que levaram o homem à condição de animal racional, limitando os outros a uma condição miserável de sustentabilidade, pelo que nos é dado conhecer, quando os comemos, como se fossemos todos uma comandita a criar um movimento antropofágico aleatório.
Como se o nosso poder pudesse advir das suas partes baixas, e até excluíssemos também do chão os membros inferiores. Criar-se-ia assim, uma nova espécie de seres, mais ousados, e habilitados a sobrevoar os céus. Passaríamos então à condição de seres angelicais, por sobre as camadas de seres existenciais que ainda habitam a terra.
Falava-se ainda sobre os porquês de se terem afastado daquela condição miserável e rastejante, quando se colocaram na posição erecta. Outros diziam, ser também por conta de um sentimento, que Deus semeara nos seus corpos, para que fosse mais fácil, separar o trigo do joio. Contraponto a isto havia quem dissesse, que tinham surgido novas teorias mais humanistas, que só a oração que bailava por entre os lábios os diferenciava dos outros animais.
Uma delas, enquanto assistente, porém cega, surda e muda, sentia tudo isto como se fosse uma verdade inconsequente. Ouvia agora as vozes mais nítidas, que rompiam o véu ali costurado à volta dos seus olhos. Sentia um fogo quente nas mãos, uma chama a arder-lhe no peito. Estaria por certo a sentir alguma forma de Amor, ou seria só um desejo do corpo a pedir comida, enquanto a fome se intrusava, por entre as pernas de uma agora, loba.
Pensem bem antes de a olharem nos olhos. Ali estão guardadas todas as lutas, assim como todas as conquistas. E, quando por via de furar a noite, ao se colocar na verticalidade dos gestos, a mulher submissa, mais baixa do que o homem, naturalmente, que mais parece rastejar em rezas obtusas, nem sempre se cinge à dor, para querer ser a melhor, antes crer no seu SER MULHER.
Tomem agora nota dos traços com que desenha no ar a sua silhueta, porque por quantas dúvidas existirem, a Mulher ainda é detentora de uma discussão acesa. A Mulher, apesar de tudo, é sempre a “vencedora”. Sabe como entrar, e o porquê de sair ou permanecer numa relação humana.
Quase sempre é por AMOR.


Dolores Marques

segunda-feira, 10 de agosto de 2015

quarta-feira, 22 de julho de 2015

Códigos



Ônix
- Objetivando a distância que vai de um olhar ao outro, sem ter que se perturbar pelo brilho que daí emana, tem sempre na mira um olhar novo, pronto para assaltar qualquer rosto em prol de um momento, ou vários momentos que lhe digam como anda o seu olhar.

Dakini 
- Triste, tão triste é a sombra onde deita os seus sonhos, que nem sempre vê, que parte dela é um todo remanescente da sombra de outro olhar triste que em si se estende. Furou-se-lhe a lente, deturpou-se-lhe a mente esse fogo que o consome. 

Epifania 
- Arde em mim desde que me perdi num labirinto, quase a extinguir-se nos meus olhos. Terei na mira uma soma de partículas de uma lente tosca, baralhada por um foco incendiário a tremer-lhe nas mãos cálidas sobre o branco dos lençóis. 

Ainafipe
- Se fossemos mais próximas, para lhe contar de mim, de todos os segredos que sendo meus me ultrapassam, me levam para um dormitório comum, onde as almas vagueiam e comunicam por códigos...Códigos que emitem sons saídos de dentro de mim.

Ónix 
- Se eu pudesse ter alguém que me amasse, me tocasse e me sentisse, talvez conseguisse que esses sons me libertassem por mim. Só por mim, para deixar de viver esta angústia que por não o ser, é-o sempre que me preparo para amar alguém como se fosse a última de todas coisas terrenas.

 Dakini 
- É como se os sons de alguma forma os tocassem...e lhes dissessem, coisas…muitas coisas. As lágrimas não caem, os olhos ardem, o nariz funga, e as ideias permanecem submersas, quase a saltar pelas narinas, ao encontro de um momento que me diga onde encontrar à transparência, todos os olhares que se fecharam e se misturaram nas sombras inquietas que em mim fazem ninho, para cairem e rodopiarem à volta dos seus clarividentes e esmiuçados olhares.

Epifania
- Tenho um frio estranho no braço direito.... e na mão direita também. É a mão que tenho mais à mão, por não querer saber de amores nem de sentires. 

Ainafipe 
- E eu...Quero dormir somente.

Para lá de um olhar...Alfama


terça-feira, 14 de julho de 2015

Eu Sou ÔNIX, o segundo elemento

Eu Sou ÔNIX, o Segundo Elemento

ÔNIX, (o segundo elemento), pseudónimo de Dolores Marques, a viver em Lisboa, na Zona Oriental da Cidade. Desenvolveu a sua vertente espiritual através da ligação às novas terapias, e de conceitos apreendidos em Seminários, assim como a prática de Taichi/chikung. 
Escreve e publica desde 2010, em sites de literatura, assim como nos seus blogues “Rituais do Momento” e “A Voz do Silêncio”.
Não tem livros editados, só uma pequena participação em antologia. Matilde D'Ônix o nome com que se registou na internet deu voz ao estilo introspetivo da sua escrita, onde predomina mais o ensaio em prosa poética. Parte desses textos podem ler-se no blogue “A Voz do Silêncio”. Tem como projetos futuros a edição do livro, onde compilou esses mesmos textos, além de dois livros de poesia.
O outro blogue:
http://silencio-me.blogspot.pt/

terça-feira, 16 de junho de 2015

Geometria


Tudo por conta de um remoinho que criou uma certa ondulação à volta dos nossos pés. Era de tal forma insinuante aquele remoinho, que ficámos sem saber como se deslocou na nossa direcção. O mar estava calmo, as gaivotas em voos simétricos, enfiavam os bicos na areia, e os olhos, nos nossos olhos. 
Sôfregas por mais ar renovado, levantaram voo!

Dizia-lhe em tom calmo que tudo aquilo me parecia um eco saído do fundo do mar. 
Todo o ambiente era um todo, tanto que nesse todo havia um certo equilíbrio, apesar dos voos assimétricos, causados pelo resvalar de uma gaivota que voava em círculos e criava semicírculos em redor de nós.

Posto isto, evidenciava-se nítido um grito que ecoava ao longo da praia. Saiam de todos os lados, outros gritos desvairados, causando uma melodia eco festiva, nunca antes vista naquele deserto oceânico. Entretanto, também o mar se assumira como um gigante adamastor a tentar engolir o remoinho abandonado. Através da sua garganta funda, a desertora gaivota sumia-se por entre partículas de espuma branca. O contraste agonizava, ante a perplexidade do abominável homem das neves, agora estigmatizado na areia de uma praia deserta. 

Continuava a insistir, dizendo-lhe de novo em tom calmo que tudo é um todo e que tudo é aproveitamento do tempo e das marés, que nada se perde nas asas de uma gaivota. Olhou-me com um olhar extasiado e seguiu adiante. Ocupava o mesmo espaço, pisava as mesmas pegadas na areia, que nos fizeram vir nesta direcção. 

Ocupava eu  um novo espaço, diluído nos voos extraditados no mar alto.

Para um e outro lado regressámos, mas sem certezas de que o tempo iria continuar de feição. 

segunda-feira, 15 de junho de 2015

Meio-dia do Sol


Era uma manhã cinzenta. A cidade encolhida na neblina, até que o meio-dia do sol chegasse, sofria de claustrofobia. Chegada, todavia, a hora de todos os caminhantes das nuvens descansarem, sentavam-se no alpendre acabado de construir. Disparavam em uníssono olhares de fome sobre o rio. 

Cá em baixo, todos ignoravam aqueles corpos disformes a traçar caminhos no alto. A neblina, cada vez mais densa, engrossava-se num depósito de pensamentos abstractos e de reincidências pecaminosas sobre as calçadas agora desertas. Enquanto os de cima alimentavam os olhos, com tamanha discorrência a socorrerem-se de um abstraccionismo arcaico, os outros cá em baixo, espalmavam-se abruptamente contra os muros.
Todos juntos faziam de conta que a neblina era simplesmente um vulto. Um vulto de passagem.
Estava agora mais próximo o meio-dia do sol. À volta deles, sentia-se cada vez mais a rotação uniforme, que os próprios não distinguiam. O sol encontrava-se já no ponto mais alto, onde os corpos se ajeitam para a iniciação de mais um culto. O caminho percorrido até aqui, tinha simplesmente ficado esquecido, tal como as sombras que se diluíam no betão cinzento. Agora no alto comando, onde o céu se propunha criar a divisória entre o bem o mal, distendia-se em abraços, o Sol, que, mergulhado no cais ordenava que todos se distribuíssem e se preparassem para o último culto ainda em vida.

Os olhos agora abandonados, por entre a neblina transparente, fecharam-se.


quinta-feira, 11 de junho de 2015

Falando em geometria no Sagrado


Todo o momento inspira numa ordem, levando-nos a percorrer caminhos novos. Neles, respira-se, contrariando a vontade do ar que se movimenta em torno dos nossos olhos. Mas, e se o ar rasurado por olhares indiscretos nos trocar as voltas e nos fizer andar em círculos? Muito do que aqui nasceu, convida-nos a diversas viagens. Nelas, damos de caras com um sem número de histórias feitas de momentos paridos no centro da terra. Basta, para isso que os nossos olhos percorram os intervalos do tempo, os mesmos que deram luz própria ao momento do nascimento dos corpos e das formas.


Imaginemos uma figura geométrica! Como é sabido, todas elas são compostas por vários pontos, que, unidos, farão nascer outros, e por aí adiante. Deixamos até de nos sentir uniformes, quando percorremos as linhas de uma dessas figuras. Pensemos então num círculo. Imaginemo-nos a percorrê-lo, tendo como ponto de partida um qualquer ponto desintegrado. Somos levados numa viagem sem princípio e sem fim. Se observarmos à nossa volta, a terra é composta por formas geométricas. Podemos entrar num mundo das formas, arquitecta-las sob um olhar carismático, e deixa-lo ir, ao encontro do recomeço até encontrar o final. Em algum ponto ele parará. Isso o demoverá de ser um foco a afundar-se num ponto qualquer da terra, para aí se reproduzir às escuras - o lugar onde o fazem rodar à volta de si mesmo.

Um lugar fragmentado no seu todo, é o que este espaço é, mas com muito de céu, de terra, de vida, de histórias de vidas, e muito também do Ser e do que nos move como se move o espírito. Fragmentos de um todo que nos toca, numa viagem sem princípio e sem fim. Dos seus fragmentos ainda vivos, podemos, ao pegar um a um, observar a olho nu sobre a origem que os fez fragmentos de uma história. Esta é uma viagem onde poderemos encontrar-nos nas várias histórias; umas vezes sofridas, outras vezes elevadas ao céu. Aqui a história não termina. O espaço é imenso a tender para o infinito.

Um ponto de paragem até à viagem seguinte, faz-nos pensar sobre a nossa descida ao ventre materno, e o que queremos semear para depois colhermos neste lugar sombrio mas granjeador do espaço que nos gerou e que nos faz andar em círculos. Aqui, estamos já corpo e Alma. Orientam-nos nesta viagem os cinco sentidos.

Entra-se agora num lugar composto por várias dessas figuras geométricas. Porém, só uma nos faz parar ao tentarmos formar o nosso próprio movimento. Olhemos em redor dos olhos. Fixemo-nos nas siglas esculpidas em cada pedra do Mosteiro que deu o nome de “Ermida” à aldeia. Sabe-se de uma ermida ser um templo ligado ao Cristianismo, e por norma, quase sempre localizado num lugar ermo e isolado. Talvez por via dos espaços se completarem, para se chegar mais facilmente a Deus. Ao ler os seus cinco sentidos admitindo então o normal movimento dos olhos, começamos por iniciar uma viagem no espaço. Quem não gostaria de poder apreciar dali, as diversas formas que a terra encerra à volta de si mesma? O princípio de um tudo, ou o final de um nada prestes a renascer, começa por nos conduzir nesta viagem ao encontro da humanização. Aqui, estão presentes os anseios da Alma, o Amor original, a divisão dos mundos; o material e o espiritual. A crença num Deus Maior faz-nos alcançar outras dimensões. Esta consciencialização do mundo é um fragmento no espaço, que pode muito bem ser o espaço percorrido por uma lágrima.

Nunca poderemos esquecer a imensidão da terra. A Mãe cuja poderosa energia, tudo cria. Daí que o olhar seja um amplexo forte de calor humano. Dos seus braços estendem-se raízes fortes que nos unem. Poderíamos até comparar as palavras que compõem os fragmentos unidos pelas siglas, numa gigante odisseia no espaço. Cada uma delas seria uma estrela. Escrever-se-ia uma enciclopédia poética. Cada poema seria um astro, cada capítulo, o movimento de intersecção que a terra dá à volta do sol. Entre um movimento e outro, os planetas respiram a nova ordem inscrita nesse mesmo espaço. E se acrescentarmos ao tempo, uma nova ordem de tempo, então, apresentar-se-á um caminho novo nesta viagem. Os sentimentos aqui presentes são uma constante de um desejo prestes a nascer da semente ainda a germinar no peito. Esta energia flui como um rio, estremece-nos tal um vulcão que faz tremer a terra. Continuando, a viagem apresenta-nos aqui e ali, um fio de tristeza, que de vez em quando, aflora, para logo de seguida nos levantar como quem diz:  “Este fragmento perdeu-se dos outros. É a hora de o ajudar a encontrar os seus igu
ais”. Neste caminhar pelo espaço, o livro ganha asas, e voa. Voa ao encontro do amor que conhece, o qual lhe deu força para continuar. 

Contudo, aqui em baixo as formas assumem-se invulgares até na perfeição. O céu é muitas vezes pouco céu e muita escuridão. Aquela ideia que temos do céu, quando olhamos para cima numa procura vã de algo que nos cure as feridas, desvanece-se quando enfrentamos um batalhão de estrelas cadentes e um sol escondido por entre os ecos das pedras. Sendo também um ser vivo, a pedra é uma forma distante do nosso sentir, quando afirmamos a alguém ter um “coração de pedra”, por sabermos da inexistência de sentimentos. Contudo, aqui, essa falta toca-nos com uma energia quente pelas mãos de Deus. Ele tem a capacidade de transformar e elevar até os sentimentos mais enraizados em pedra dura. O granito, por norma, uma norma a seguir neste compêndio. É nas terras altas, que as suas palavras nascem no meio das pedras, e nelas se desenvolvem, amaciando até a aridez granítica das serras.

Poderá dizer-se que o céu desceu à terra, e aqui, se conjugam todos os elementos criados num espaço etéreo. Aqui no colo materno, damos tudo o que temos e recebemos tudo o que temos direito. Experiências acumulados de uma vida a transpirar terra, mas com muito de tudo, e com pouco de muito. A dor, o sofrimento, a alegria, o amor físico, a partilha entre todos os que sofrem as mesmas penas num parto grandioso que é a vida a germinar por todos os cantos da terra. 

Sabendo que a terra é um altar sagrado que nos recebeu, então a terra é um templo maior, onde Deus vive na invisibilidade dos seus traços etéreos para nos seguir os passos, através de descrições metafóricas de uma densidade atípica. Ouve-se agora um eco parido das pedras. Se por um lado, nos surgem corpos famintos de esperança a trabalhar a terra, ouvem-se gritos de dor, por outro, enquanto ela faz desses corpos, espíritos de luz a caminhar para o final do túnel onde os irá receber uma nova Luz. 

É sempre por trilhos sonoros dos corpos e pela luz reflectida nos caminhos, que estes fragmentos respiram, homenageando as gentes que trabalham a terra e dela tiram o seu sustento. É este alimento que seduz a alma das gentes, e nelas se firma o desejo de unir todos os pontos de uma mesma figura geométrica – A Terra. 
Enquanto o tempo passa e as horas se remetem ao silêncio dos ponteiros do relógio, um fio de luz queima os rostos de quem passa apressado e não encontra a porta entreaberta. As lágrimas perdem-se por entre os telhados das casas, enquanto à lareira se contam as mesmas histórias de outras vidas. 

Prosseguindo, agora em espiral e sem princípio ou fim, entramos num novo espaço para mais uma viagem. Este é um novo caminho, com fé. A mesma fé enraizada, que o foi na terra arada. Semeou-se a última semente, sobre a qual, brotam os rebentos de um novo ponto no espaço. Continuando a percorrer a espiral do tempo, encontramo-nos agora sem tempo e sem espaço para continuar a viagem, porque é tempo de silenciar e meditar. Molde-se o barro e nasça o novo homem.

Ao chegarmos ao ponto central da nossa viagem, um outro far-nos-á partir, ou então serenar. Quando aqui chegarmos, poderemos então dar por completa a nossa viagem? Não! Não me parece. Poderemos continuar a folhear a nossa história, lê-la, senti-la, e sobretudo, fazer dela mais um sopro de vida que recomeça e se acaba para renascer de novo.

Passamos algum tempo existindo e persistindo, como se o mundo fosse uma composição a entrar nos nossos olhos, e as pessoas um mistério a irromper pelos nossos sentidos. Teorizamos a dor, a alegria, o Amor, a Luz, a Escuridão e por fim o movimento Espiritual do mundo. Teorizamos tudo como se a vida fosse uma composição aquosa, um bálsamo a inalar-nos, quando ressentidos.
Não passamos então de um teoria abstracta a querer chegar ao centro do maior centro do mundo.
Agora, persistindo na ideia do mundo das pessoas, existimos mas não persistimos numa existência fundamentada num crer sem tamanho, porque o mundo das formas também existe para dar cor e luz ao movimento intercalado de olhares cabisbaixos a roçar as pedras do caminho.

Cicatrizam-se as formas ausentes do mundo, que se completam em círculos fechados. Caminhantes, somos todos em caminhos vários, dando movimento ao mundo das formas. Geometricamente falando, somos todos Um, mas não sabemos todos, a ordem com que se inicia o movimento indicador de uma nova ordem – A Ordem do Movimento intercalado das formas.
Andamos em movimentos contrários mas trancados a tentar dar cor e luz à vontade de sermos somente um movimento nascente que cresce à vontade por dentro dos nossos olhos.

Quando se dá finalmente o encontro do céu com a terra, a vida é um renascimento constante de emoções. À flor da pele, nascem novos caminhos de luz, mas também novas viagens coladas à memória dos tempos vividos na aridez da serra. A energia feminina e a masculina numa dança celestial. A vida é dotada de calor humano, ao divagar por entre as várias histórias que a vida contém. Aqui a fé anda de braço dado com a dor, mas é ela a forma mais carismática de alcançar a própria fé com palavras mansas, de um coração elevado ao alto.

Dolores Marques

sexta-feira, 5 de junho de 2015

E nós com sede de mais um Agosto


Só porque não nos temos, caminho agora em passos soltos, divagando, na tentativa de encontrar o fio condutor da nossa história. Sei que foste, como se foi tudo o que plantaste no meu corpo, mas sei uma verdade nossa que floriu e deixou pétalas rosáceas nas palmas das minhas mãos.

Lembras quando tudo era branco, e eu lancei as rosas ao vento, para que também ele fizesse crescer nos jardins os lírios roxos?
Lembras quando na serra, floriam rosmaninhos, e nós com a sede de mais um agosto, secámos todas as flores silvestres?
Lembras quando nas nascentes de águas cristalinas, saciávamos a nossa sede e crescia no meu ventre a vontade de sermos corpos envoltos em pura seda de águas mornas?
Lembro de tudo, como se fosse ainda hoje o tempo, em que juntos demos início à história que fez correr mundo e fez calar o vento, quando já nada trazia de novo para nós.
Foi aí, lembras? Foi aí que tudo terminou, para dar início ao que, sentindo ainda, te traz um dia de cada vez para mim.
Sabes que nasceram novos lírios roxos e com eles novas cores primaveris?


Leia mais: http://www.luso-poemas.net/modules/news/article.php?storyid=247471 © Luso-Poemas

quarta-feira, 3 de junho de 2015

No Pomar

No pomar ergueu-se a árvore maior
de um fruto que gerava por entre as folhas
um movimento celestial

E assim cresceu a árvore no pomar
e o fruto na árvore dele
que sem se abstrair 
do seu movimento
foi seguindo até à raiz 
onde se encontrou
e se enraizou 
para mais um encontro 
de raízes
e folhas
e frutos
e seiva no pomar 



Foto e poema: Dolores Marques

segunda-feira, 1 de junho de 2015

Café da Manhã


Gosto de ver um sorriso logo pela manhã. Para isso, alinho a cabelo em frente ao espelho e logo de seguida fixo o olhar num ponto iluminado. Posto isto, ele devolve-me em primeira mão o sorriso ali sufocado. Tinha-se tratado de ser um desejo seu, o último antes de me adentrar nos subúrbios da noite.

Mal entro na pastelaria habitual para um café, apercebo-me que ando há alguns anos a pisar o mesmo chão, como se fosse uma penitência, sei lá, ou qualquer outra obrigação, que se distingue agora nítida, enquanto com a colher dou umas voltas à chávena e tento arrefecer a bebida energética antes de a levar à boca. Dizem do café provocar uma certa euforia matinal e que se estende pelo dia fora. 

Já me dei conta de que observo todas as pessoas encostadas ao balcão, enquanto bebem sofregamente uma meia de leite, ou tal como eu, um café. Ninguém fala, ninguém sorri. Limitam-se àquele momento silencioso, como se a noite ainda estivesse presente em cada pensamento. Engolem de tal forma aquele líquido matinal, que por vezes me parece já um antídoto contra as forças do mal, que poderão estar por detrás de um dia só. 

Forçada a seguir caminho, vou ao encontro de alguma força que me seja doada por mais um sorriso, porque alguns ficaram afogados em meia dúzia de chávenas, agora vazias e amontoadas na minúscula máquina de lavar louça da pastelaria habitual para um café.

Amolador

Gosto de todos os dias, porque todos os dias são coloridos, não desfazendo das noites que sempre me despertam outras caminhadas mais silenciosas.
Não é que não goste de ruídos, porque até gosto de alguns. Por exemplo, estar o dia todo a ouvir os sons provocados pelo escorregar por entre uma lona grossa, dos vários detritos de umas obras ali no edifício em frente, é qualquer coisa de sedutor, porque me leva até à janela de vez em quando.

Até já me precipitei para ela algumas vezes quando ouvia o som do amolador, que de sisudo, hoje não tem mesmo nada. Não parava de andar de um lado ao outro com a gaita na boca e o seu carrinho cheio de tralhas, que mais pareciam peças de arte antiga a captar o interesse dos turistas que se passeavam de cabelo ao léu nos novos autocarros turísticos.

Este lado da cidade é assim um misto de várias sensações, que me fazem recuar ao tempo em que os velhos chapéus-de-chuva, as facas e tesouras e até outros objectos, se mortificavam de tanto tremerem junto às mãos do amolador. Fiquei a pensar…isto porque os ruídos despertam alguns pensamentos desajustados. Também porque deste lado da cidade, ninguém se presta a sair à rua com facas, chapéus de chuva e tesouras para amolar.

O amolador deve ser assim uma espécie de peça de um museu, para dar vida à cidade que existe agora dentro de outra cidade na Zona Oriental da Lisboa. É que do outro lado da cidade, não se ouve este som, que desperta qualquer alma a precipitar-se para a janela. Qualquer dia saio mesmo à rua a tentar perceber se o amolador ganha agora a sua vida, não, a amolar objectos de tortura, mas a entreter a zona mais privilegiada da cidade.

DM/Dakini in Café da Manhã

sexta-feira, 22 de maio de 2015

Julgamentos

Em resposta aos que me julgam, sem se darem ao trabalho de saberem quem sou de verdade, eu assumo-me a inaptidão em pessoa quando o jogo pressupõe saber qual o mais hábil.

Quando se sente tudo o que se diz, e se diz tudo o que se sente não há julgamento que valha. 

A condenação é um fardo de palha a arder.

Lugares

Assimilar o transcendente, por vezes, é ficar dependente de uma partícula desintegrada de um universo alquímico que já foi remanescente em qualquer lugar do nosso Universo.

quinta-feira, 21 de maio de 2015

A minha queixa de hoje

Às vezes queixo-me, às vezes falo, às vezes grito, mas nem sempre choro, (gostava de conseguir voltar a chorar), assim como nem sempre me arrependo de algumas coisas. 
Nem sempre me arrependo, quando sinto que fui tão somente ingénua e/ou "parva"....(parva", que é como muitos veem a ingenuidade), mas nem sempre me arrependo quando sinto que fui sempre sincera e não maliciosa.

Às vezes durmo, às vezes sonho, outras nem durmo nem sonho, mas tenho os olhos abertos para o tecto, a tentar imprimir nele os afectos perdidos, enquanto me queixava para alguém que não ouvia mas simplesmente comprimia tudo para depois rasurar em cruz todos os afectos partilhados à mesa do café.

Os encontros são mesmo isto...outras vezes nem chegam a ser nada, outras passam por um crivo para limpar sementes e outras coisas, mas ao mesmo tempo uma aprendizagem, com as mudanças que estão sempre a acontecer, entre deixas e o toque cada vez mais abismal das pancadas do bastão de Moliére


ÔNIX

quarta-feira, 20 de maio de 2015

O MEDO

Porque se acomoda neste rio de águas paradas, no lugar onde os aflitos se afogaram e se perde da estrela sibilina? As correntes sufocaram-no. No lodo enterrou os seus pertences, ainda que nada tivesse de seu. Sente frio naquele ermo. Já nada lhe lembra quem foi, ou quem agora é, ou ainda quem virá a ser quando pisar o pó da estrada. 

Encontra-se desajustado do lugar que devia ser o seu. Tentou entrar por um caminho fundo. Ali deixou pegadas e absorveu das paredes que o ladeavam, o perfume dos jasmins. Desencanto seu! Enquanto caminhava, sequer via a cor do pó do caminho. Começou então a andar mais devagar, mas, com os olhos postos no céu. Para espanto seu, este estava agora coberto de nuvens. Ainda assim, procurou um sítio onde pudesse demorar os olhos, descansar as pernas e descalçar os sapatos, que de tanto aperto, lhe incharam e avermelharam os pés. 

Da mochila retirou um livro, cujo encontro presente já fora marco no passado.

Nada, encontrou de novo. Estava fixado nos seus pés agora magoados, feridos. A sorte levou-o a descobrir aquele caminho novo, porém nada o demoveu de continuar a aspirar tal perfume raro. Não reparou, que os jasmins tinham dado lugar a novas flores espalhadas pelo chão. Estava ali, aquele tapete de pétalas perfumadas, cuja essência seria a cura de seus pés magoados. Confundiu-se todo com aquela mudança. Decidiu então caminhar com um passo mais ligeiro. Não viu algo que lhe indicasse um nada que fosse novo.
Para trás ficava a sua vontade de continuar a ler aquele livro antigo. Folhas amarelecidas, história repassada e mais que atabalhoada, sem incentivo que lhe vincasse um sorriso, mesmo que disfarçado por conta da dor que sentia. Deixou-o entregue à sua sorte.

Nisto, caminhava no mesmo sentido, alguém, que sem pés no caminho, avançava sem pretensões de chegar a lugar algum, se não ao fundo de um caminho, onde pudesse descansar e entrar bem fundo nas páginas daquele livro antigo. Ia ao encontro de outros mundos, mesmo que para isso, se confundisse com os vários momentos, ali inscritos. 

Foi então que perdeu o medo. Assegurou-se das várias correntes que por si deslizavam, agora mais firmes no seu propósito de o fazerem ir mais além.

ÔNIX


Não te sei

Sei-te com dor 
mas não te sei 
Perto, nem longe 
Não te sei! 

Nem me consigo lembrar 
da cor dos teus olhos 
quando choras 
e deixas cair 
uma só lágrima
nas minhas mãos vazias 

Esta lonjura imensa 
este degredo 
onde me encontro 

Não sei como subir 
ao alto da serra 
e gritar 
simplesmente gritar 
o teu nome 

Ônix

segunda-feira, 4 de maio de 2015

Rente à pele

Tirem as sedas
e as lantejoulas
e o verniz que se escorre
nos pés magoados

Tirem as gravatas
e as camisas
passadinhas pelo ferro
puxado e repuxado
por mãos cansadas
com unhas rentes à pele
dos dedos
e nas mãos um punhado
de queixumes

Tirem todas as coisas
que vos adornam
em torno dos olhos
e façam do olhar 
um movimento quebrado
mas não atiçado
contra o que não continuará 
a dar-vos o “devido valor”

Devido, ou imerecido
porque novos ventos
Já vêm a caminho
com novos adornos
para o corpo
e um leve suspiro 
a sair-vos da boca

ÔNIX, pseudónimo de Dolores Marques

quinta-feira, 30 de abril de 2015

Tremem-me os dedos

Tremem-me os dedos só de pensar em escrever algo que vos incomode, mas mesmo assim eu escrevo, porque não sou eu que escrevo, mas o tremelique dos dedos.

O pensamento, às vezes manifesta-se bem junto ao ponto onde os sentimentos e as ideias se confundem, e depois dão-se todos os encontros: os imediatos e os prontos a comer, como um “food & thought” dos tempos modernos.

E eu gosto de Vos ler assim com um “pensar tosquiado”, como quando via tosquiar as ovelhas lá na minha aldeia. Era preciso uma pontaria afinada na ponta de tesoura para não cortar a pele do animal. 

Dolores Marques

segunda-feira, 27 de abril de 2015

Coração da terra - Juntos, daremos as mãos

Queremos muito, com a condição de que seja breve e aconteça no imediato momento, tal como se mata a sede, se sacia a fome e se alimentam vontades novas. Estas, a imporem-se sangue quente em corpos estranhos, almas em peregrinação pelo mundo dos homens e espíritos incautos no caminho que os levará a Deus. 
Vive-se um tempo de incertezas e insatisfação. A solidão fecha caminhos, enquanto as vozes de um silêncio morredoiro, cavam flancos e abrem fronteiras onde só o ser humano pode chegar. 
Agora, toda a obra nasce e morre em cada noite prestes a chegar. Mas, já não há noites nem dias. Tudo avança contrariamente desde que se afundou o farol no alto mar. Cessaram os encontros de mãos estendidas. 
Os remos vão incertos remando contra a maré, enquanto nós nos estranhamos. 
Estranhamo-nos tanto quando nos encontramos! 
Então porque fazer de conta que os encontros são ferozes na amizade? Porque se medem as amizades, se quantificam os sentimentos tal uma raiz quadrada mal-intencionada de verbos acabados em (ar), como se o verbo amar fosse só um tempo a terminar, sem sequer começar? 

Queremos tudo na justa medida. 
Então, justificam-se todos os erros com a morte, quando se diz: “coitado, já lá está, que Deus tenha misericórdia da sua alma e lhe perdoe os pecados”. 

Elege-se assim uma nova medida para medir todos os gestos, por quanto justificar, o que por si só, está justo e edificado.
Gritamos por misericórdia, pelos que em nome de Deus se entregam em sacrifício, arrastando para o cadafalso, outros. Divinizada fica a morte. Profetiza-se o fim, com a condição de se chegar imaculado com as mãos ainda a escorrer sangue pelos mortos e pelos vivos, e por todos os que não sabem rezar.
Rezamos o acto de contrição e juramos amar-nos uns aos outros, como se tudo tivesse que ver, ou com a fé, ou com o medo que temos de não ter fé. 

Se por um lado tememos a Deus pelos pecados que cometemos, por outro, lamentamo-nos pelos juízos que fazemos dele. Cuspimos na cara uns dos outros como quem cospe no prato onde comeu. Chegamos mesmo a duvidar da nossa crença enraizada na fé que julgamos conhecer. Existimos então para o que der, e para o que vier. 

Todavia, variáveis conhecidas e simétricas aos desejos, compõem-se em partes iguais, para o que vier a ser quando já nada se conseguir somar nem dividir em partes iguais. Se o retorno for gratificante, valerá a pena volvermo-nos no regresso a Deus e voltarmos como almas novas a começar do nada, para aí, acontecer o inevitável traduzido nas várias figuras geométricas onde se traçou, faz tempo, os vários caminhos da alma humana. 
A evolução natural faz-se caminhando. Juntos, daremos as mãos e tocaremos os pontos luminosos que habitam em cada um de nós.
Unidos, pois, na continuidade dos abraços, ocupando o espaço de cada um, ao derrubarmos muros e outros murais castigados pelo desnorte dos nossos gestos. 

“Atrás de tempos, vêm tempos, e outros tempos hão-de vir”, escreveu o poeta, como quem sabe de um tempo morto e de um sol-posto, mas a luzir por dentro do nosso horizonte. Vingaremos pois, os contratempos nas insígnias da boa aventurança.

Dolores Marques in Coração da Terra, Rúbrica Quinzenal, Notícias Castro Daire

Tenho a fé
resguardada no olhar
tal estrela que se recolhe
num ponto equidistante
do infinito

Dou-ta se a quiseres reescrever
como só tu a sabes ler
nas orquídeas  brancas
que nascem no vale dos lobos
onde se recolhem os aflitos

Dolores Marques