terça-feira, 30 de abril de 2013

Minimalistas


Hoje espreitei através da minha janela, um grupo que se diz adepto da nova movimentação, e que por si só, constituiu uma nova arte minimalista . (Achei-os parecidos com um grupo de gatos abandonados que vagueiam por ali, quase a morrer de fome, cada um com a sua cor). Estavam todos juntos a afiar as unhas à espera de serem alimentados por alguma colheita alheia - daquelas que se vê mas não se toca, nem mesmo quando as unhas estão prontas.
Escavam a terra e expõem-se nos telhados das velhas casas, para que a sua arte seja bem recebida por todos. Pior é que nem todos têm a mestria suficiente, para saberem das novas influências que os levam a cirandar por todos os corredores da fome, onde todos comem da mesma gamela já tão cheia de surro. 

(Nem as próprias unhas conseguiriam raspar o fundo ao tacho e acabar de vez com aquela miséria).

Por isso, saí para a rua e sorri-lhes para que soubessem que os movimentos dos quais se dizem adeptos, ainda não tinham deixado marcas na minha porta e nem nas minhas janelas.
Cabia-lhes agora a obrigação de serem donos das suas próprias garras e criar algo de novo, para que não restem dúvidas de que são altruístas até na forma mais exorcizada que lhes possam dar. 


Dakini Abril/13

Cada um na sua vez


Para me lembrar o quão importante é levantar-me de manhã com vontade de sair para a rua, tento, na medida do possível, ver-me ao espelho de forma clara. Para isso, terei que acordar também claramente. Coloco os pés no chão, um de cada vez, levanto também um dos braços, de cada vez, e só depois abro os olhos, também um de cada vez. Felizmente que aprendi a piscar os olhos, caso contrário teria que me servir de uma das mãos, para também à vez, tapar um olho de cada vez.

Cada um na sua vez! Assim nos vamos encontrando a cada dia que começa. Saio para a rua e também vejo uma pessoa de cada vez a entrar no
café, e logo depois na paragem do autocarro e em fila única, entra nele, um de cada vez. Até os carros na avenida se deslocam em fila única, e um de cada vez. 

Sempre me pergunto porque também não nos sucedem os dias, um de cada vez. 

À noite, no céu, vejo as estrelas todas juntas. Não consigo ver uma de cada vez. Uma noite destas até tentei, mas elas estão sempre tão prontas a iluminar a noite, que para elas não existe vez. Existe sim, uma sequência uniforme de formas únicas a esperar que a noite chegue, para saírem de vez desse estado claramente animalesco, que nos leva a todos, a procurar nos dias a nossa vez para sermos alguém, ou então, ninguém por não termos vez.

(Dolores Marques in Dakini  - Fev/13)

Corpos


comunicando
seremos todos um 
na graduação
do tempo
no emaranhado
dos dias
na invisibilidade
das noites
na inconstante 
previsão do momento
em que um corpo
se levanta

mas há uma calamidade
no mundo
esvaindo-se
na passagem
enquanto não cai

mal dos que se erguem
e não têm tempo
nem espaço
onde enterrar
os mortos
e
sacudir os vivos


(Dolores Marques in Dakini - Modus Informe/10)

sexta-feira, 26 de abril de 2013

Histórias sem passado e nem presente


Contei todos os quadrados e ultimei o meu desejo de ser a figura mais carismática de todas. Ajoelhei e orei a todos os santos, menos àquele que me disse um dia que seria só mais uma peça jogada nas masmorras onde todos dormem, enquanto não chega o dia do último sacramento.
Avisei-os a todos, mas... não me quiseram ouvir. Fizeram ouvidos moucos e retrocederam ao sítio onde tinham deixado os olhos. Ficaram assim sem conseguir enxergar as marcas dos seus pés de chumbo e, curvaram-se então todos para a mais bela oração de todos os tempos.
Era chegada a hora de se redimirem. Deitaram-se todos. Colocaram as cabeças, cada uma em sua quadrícula, para ser posta à prova a sua inteligência. Emocionaram-se todos aqueles que não cabiam nos quadrados e foram feitas as contas elevadas ao cubo para satisfazerem a sua vontade de se materializarem ali mesmo.
Da diferença resultou a soma. O equilíbrio forçado foi aceite por todos. Ficaram só histórias sem passado e nem presente. Renasceram para fazerem uma nova história e aí… começa tudo de novo!
Até quando, até quando para os preparativos de uma nova história? Mas agora sim, com princípio, meio e fim, em todas as figuras geométricas.

(Dolores Marques; Dakini - Eventos 2013)

quinta-feira, 18 de abril de 2013

Livros/ Leituras - Mário Massari


Sobre “BORBOLETAS NO AQUÁRIO ” de Mário Massari - o Poeta/ o Homem, que me convidou a escrever algo, para que ficasse no seu livro
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Deixando-me seduzir pelo abstracto figurativo de Mário Massari, irei de encontro ao seu dizer, ao seu querer ser em todos os poemas, um mundo a descobrir novos mundos. Será este um voo recto ao encontro da verdade que a sua transcendente busca me mostra - um todo que permanece intacto na sua forma enquanto Poeta? Será somente um voo oblíquo, levando-me para o interior de uma sequência de imagens que me mostra a vida num conjunto de formas modeladas nas suas mãos, enquanto Homem a caminhar sobre a terra? Em todas as minhas movimentações para me encaixar neste trajecto, encontro uma certeza, a de que as palavras que compõem o seu estilo sui generis, se predispõem a seguir novos rumos, a escalar montanhas, a levitarem por entre as brumas da memória ao dizerem-se a elas próprias, enquanto recebem vida para a composição de uma história exequível, transcendendo a realidade factual, sulcando um vazio, através de caudais sistémicos, dando vida à própria vida. Enquanto Poeta/Pessoa, Mário Massari, tem a capacidade me fazer entrar num mundo; adverso por vezes, afável outras tantas, tais os modos e formas que me obrigam a novas movimentações a tentar renascer das sombras.


É um facto, que Mário Massari tende para uma composição que pode ser observada em diversas matizes, obedecendo por um lado, a verticalidades faustosas nos mais distintos e aparatosos ângulos que nos dão uma visão distorcida da realidade, mas, por outro, a uma encenação perfeita, que sabemos ser a verdade dos nossos olhos, retinas luminosas a quebrar cansaços e a disfarçar a penumbra que nos vai transformando em paradigmas de uma inteligência exterior, mas fecundada num interior vazio, num tempo de memórias.


Todo o poema é caracterizado por uma ordem que o poeta tenciona manter. Contudo, atendendo aos vários predicados do poeta, ele deixa de ter uma ordem para obedecer a várias ordenações onde o ser se faz vida, e a vida se revela em vários seres, movimentando-se através de várias circunstâncias que irão dar luz própria ao poema. Se por um lado o poeta vive à custa do que o poema lhe exige, por outro sobrevive uma pequena centelha que vai crescendo para lhe dar cor, movimento e sabedoria interior, num labirinto de saudade, onde só se perde quem pretende ser vision
ário do fantástico mundo a descobrir: um jogo multifacetado de cores, um corrimão de espelhos que lhe permite observar através do seu próprio reflexo, a dimensão que o separa da realidade que lhe foi dada à nascença. Transfiguram-se assim todas as partes densas, sempre que na sua órbita circunda um movimento aberto a novas abstracções, a tentar descobrir o destino que lhe cabe nas mãos com as palavras todas que o merecem.

São estas figuras desenhadas nos traços que o caracterizam Homem/Poeta/Pessoa que lhe irão transmitir onde e como chegar à essência que lhe é dado observar, sempre que tentar sair de um espaço fechado ao alargar os horizontes através de uma focagem direccionada para o mundo exterior. A sua poesia, transcende a realidade física, o toque, a observação linear, para que nos movimentemos através de uma filosofia de vida que nos mostra onde e como começar a elevar o pensamento, a tocar um mundo que está tão perto, como perto estão todos os olhares que se levantam e iniciam o único voo possível. Aquele que nos fará chegar, (sem no entanto termos a percepção da viagem), à conclusão dos actos que nos fazem ir, voltar ou simplesmente obedecer aos espaços que se abrem, e ficar lá, até ao próximo voo mais profundo, num universo interior saciando a nossa sede de amor, de fraternidade, de compaixão, unificando os pontos e traçando novos limites no tempo.

Dolores Marques - 2011

Livros/leituras


Entre a realidade e a ficção, há sempre um momento tão nosso, tão subtil, que só nós reconhecemos e avaliamos, até transpormos o portal digno da nossa mente criativa e sonhadora. Aí, a alma segue o seu rumo. Nós acomodamo-nos, até que se faça luz em todos os momentos obscuros que nos tentam reduzir a nada. Mas, e se o nada existir dentro dos nossos sonhos, como se o tudo que fizesse parte desse nada, fosse a força a criar novos momentos?

Livros/leituras


“Este é um livro importante, a crítica presume, porque lida com a guerra. Este é um livro insignificante, pois ele lida com os sentimentos das mulheres numa sala de visitas”
Virgínia Woolff

Foto de Vitor Bom Norte.





sexta-feira, 12 de abril de 2013

Alma de Palhaço


Movem-se os olhos
Quebra-se o corpo
E curva-se a alma
Perante a plateia
Que ri
E sorri
Mas não sabe
Onde aportar
A sua própria alma

Mas é no palco
De tábuas rasas
Onde cai
Uma lágrima
Que ele sorri
E ri

E são folias
Em rebeldia
E são almas
Em plena euforia
E ele volta
E assume-se
Em reviravolta
Nos traços marcados
Do rosto
E ainda assim, sorri
E ri!


(Esfinges 2011)

Como te chamar




Não me interessa mais nada, a não ser como te chamar para o mundo dos vivos. O mundo que te elegeu sabedor de todas coisas. Nelas, há um forte desejo de transformar a vida e não permitir que te rendas, sem antes saboreares o gosto da liberdade.


 Para isso, basta que levantes a cabeça e olhes de frente, porque as pedras da calçada já conhecem bem os teus passos. Querem agora conhecer a forma como andas , pensas e dás uma nova cor às tuas ideias. Faz delas um jardim, e dos teus passos, pétalas delicadas.


quinta-feira, 11 de abril de 2013

Muros


Sabia ao que vinha. Daquele lado, o vento assobiava aos meus ouvidos, como se eu fosse a alegria de um dia sim a sorrir para o céu. Adivinhava-me e sorria-me sempre que eu lhe estendia a mão. Se não fosse pela minha fraca audição, saberia até ao que vinha no exato momento. Para quê tentar saber as coisas antes delas sucederem como sucedem as rajadas de vento nos meus ouvidos? 

Bem gostaria de me permitir ser em todos os dias como o vento a querer saltar os muros que ladeiam a minha casa. Estão agora cobertos de musgo. Arredei todos os tijolos de vidro, para que não se sentisse nenhuma silhueta na parte de fora. Cobri-os com tinta plástica da cor do alcatrão e até colei neles recortes de jornais diários, onde se podem ler as notícias todas que nos fazem cair em nós logo pela manha. À noite já não é a mesma coisa. A tinta escorre, os recortes ficam todos torcidos, e ainda se podem ver transparências a quererem sair de um espaço fechado.

Hoje à noite ligarei a Televisão no canal panda. Aprendi com os meus netos. Nada melhor do que passar um tempinho antes do jantar a ver desenhos animados. Animam, animam e descontraem os músculos da cara. Não fico com os olhos tortos, se é que me faço entender. Se não entenderem, é porque não têm o canal Panda e vêem a casa dos segredos, ou a Gabriela. Não! A Gabriela já terminou! Dessa até gostava. Não tenho mais nada que me faça rir à noite. Gostava mesmo daquele ar descabido de alguns mestres das artes antigas, a tentarem usar o que por si só já está mais que usado. Aquela frase deixava-me de pernas para o ar de tanto rir. “Deite-se que vou-lhe usar”.

Bem, mas agora pensando bem, vejo que terei que pintar os muros com outras cores. Vou usar cores berrantes e grafitá-los todos, para se poderem ver de cima. Assim, quando o vento se quiser fazer ouvir nos meus ouvidos e estiver para chegar, poderá lançar-se em pára-quedas . Fica logo em casa. Para alguma coisa terá que servir este meu esforço, em ter cores que saiam fora do âmbito normal dos usos e costumes de um povo a construir muros e outras coisas.

O Além





Gostava que lhe falassem à noite. Era sempre assim, quando deitado na pedra fria, comunicava, com o que julgava ser o além. 

Celebrou-se um acordo que lhe permitisse a ocupação daquele espaço, sempre que a seu jeito lhe forneciam todos os ingredientes, para que, sonhar com os anjos continuasse a ser aquela doce sensação de ser levado para outro lugar.

- Ou o além onde os anjos dormem, ou o aquém, onde nem sempre se fecham os olhos por medo do escuro. 

Falácias



Não existem alternativas! Passamos de um minuto ao outro, a impostores de verdade, porque nem sempre a verdade é aceite por quem vive uma vida de mentiras. É só repararmos na performance teatral, dos que, defendendo a sua mentira, encarnam um papel onde é representada a verdade dos outros.

A verdade passa a ser mentira, porque se encontra perdida em falas e falácias de gente esquecida que é gente de verdade. Então dá-se o confronto. Enfrenta-se a mentira com a verdade camuflada entre papel de parece e algumas telas em branco, ainda por pintar. 
Depois vêm os sintomas de envelhecimento da pele. Sim, porque à flor da pele, está já a nascer a mentira camuflada. Uma verdade, que parece querer tatuar os olhos, de quem vê que há mentiras que parecem verdades, e verdades que parecem mentiras.

Orquideas





Gostava de poder ir sem medo

para um lugar onde os homens se alimentam de orquídeas brancas

e trazem nas mãos as marcas do futuro.


(Dolores Marques; Dakini - Enquanto Mulher 2011)