quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Pura e simplesmente

A tua alma não pretende ser invernos frequentes nos teus olhos, nem outonos em demasia no teu corpo. A tua alma não se propõe ser eternamente verão na tua visão, nem primaveras constantes nas tuas mãos. 
A tua alma só deseja que te abras à mudança e que sintas a transformação. Renovação Interior. A alma não precisa de muito mais do que sentimento. A alma é um cruzamento de dados, que estabelece um elo de ligação ao movimento circular interno, semelhante à vida que nos deu vida. A evolução faz-se caminhando, no único caminho, onde nos leva sempre a nossa alma.


Dolores marques - Ônix

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Desencontros

Andava sempre a cirandar pelas ruas. A noite era a sua companhia. Alimentava-se nos escombros, onde outros pernoitavam. Roubava-lhes os sonhos, esquartejava-lhes o pensamento, sugava-lhes as memórias. Mas, de nada adiantava. Nem as ruas reconheciam o seu desejo de se sentir gente nas ruas. 
Era tamanha a azáfama que se esquecia de si. Já nenhum beco esquecido em alguma rua, aceitava os seus passos. Assim, continuava a caminhar sem destino, até que este, decidisse aparecer para cumprir a profecia. Foi então que se deu por feliz, quando as ruas lhe fizeram a saudação. Finalmente abriu os olhos à luz que lhe indicava tantos outros caminhos. 
Ignorou e continuou a insistir naquele que escolhera, até que chegou por fim, ao final do caminho. Ansiosamente esperando por mudanças, mas resignado à sua condição ignóbil, descansa ainda o seu corpo da última jornada. Foram tantos os desencontros. 
Encontra-se agora a sua alma rondando o espaço que ocupa. Esperando…. 

Dolores Marques; Dakini

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Como era cheia de luz, a terra e o vale---(Mileta Menezes e Dolores Marques)

.Escolhi o som do céu para vos agradar, o refrão é feito das raízes das glicínias onde aqui passou a história. Lembras-te? Como era cheia de luz a terra e o vale onde ao fim da tarde perseguíamos o som do alaúde, tu lembras-te?
...parecia chegar de um lugar incerto. Mas não. Esse som tecido nas vozes todas que não tinham chão e nem pão. Reza a história que era um vale silencioso mas profícuo, e a eira batizada sempre com as grossas pingas das novas chuvas. Lembras-te?
Nunca esquecerei, tão pouco, os fantásticos sons provenientes das trovoadas, dizias sempre que era o céu zangado com o mar, ainda recordo.Que culpa terá a eira! Que culpa teremos nós!? Num monótono gemido respondia-te o meu coração, só para não teres medo. Sim, são os vales da memória, que ainda se reencontram aqui! Vê, lá longe o céu a ganhar voz! Parece que vai voltar de novo a chover. Anda..que a nossa ausência é eterna e o Mestre, já está a fazer- nos sinal.
Ouvia os sinais que vinham de longe. Inexpressivos, mas soalheiros como os finais de tarde num outono já passado. No mar caiam tempestades e os meus olhos fechavam-se àquele lacrimejar longínquo. Afundava então o silêncio na nudez do vale e aguardava para chegar mais perto do céu. Ainda que demore, sei que não se fará tarde. Agora tudo se torna mais claro nesse azul profundo.
Longe, digo eu, ainda está esse destino que a lonjura da vida nos ausenta, mas as estrelas há no mar e também no firmamento, e sobre elas o mesmo sol intenso, que nos arrasta de encontro à vida. Por isso mesmo estão aqui, referia-se a tia Júlia, todas as nossas gerações. Devereis permanecer, como o cipreste que vos viu nascer e assumir o tempo que vos resta do disco de vinil. Páre, tia Júlia. Você sabe que somos sempre a verde do campo e do vale e que a nós não pode fluir o pão. Nem o barro se molda às nossas mãos e você sabe porquê. 
A fome que o corpo reclama, nem sempre se compadece com a verdade com que se assumem as estrelas no mar. A tia Domitília também dizia que a permanecermos aqui e assumirmos o nosso tempo, seria como cavar a terra e deixá-la a realizar o seu último evento, ao relento. As sementeiras irão chegar, o sol saberá como realizar a vontade da tia Júlia, até porque o tio Manuel do forcado, sempre soube levantar-se de madrugada, para dar as boas vindas ao sol. E até que tia júlia acordasse, ele já caminhava lá para os lados do vale, com as mãos abertas e os olhos fechados. Até que, se deu o milagre do sol…
… e desses raios de sol apenas resto eu, o vale e a eira, não, não me olhem dessa maneira, pois nem a dúvida vos acolhe, fez-vos noite súbita e densa nas vossas curtas vidas. Acaso a vossa presença poderá modificar o silencio da eira de onde a morte vos pendeu? Joana e Mónica, sei que o protesto da vossa aparência desabrocha nesta casa, enche-a de céu antigo, de tons jovenis, de tons que nunca esqueci!! Bem sei Tia Julia, mas a terra é a mesma, é nossa, a manhã estremece até que o alívio da luz nos procura, eternamente por todos os lugares. E tu Mónica, não te queixas do mesmo que eu? Tia, toda a eternidade é nossa, suspira e ergue-se por ti!!! 
...enquanto por aqui andar, serei eternamente grata a todos os que me quiserem sentir. Mas a Maria dos Prazeres terá ainda muitas vidas e onde se procurar até se encontrar. Sabia de todos os momentos doces daquele sol a deitar-se na eira. O trigo dourado esperava por algum raio de sol para se propagar e de novo encher os campos, a par das papoilas. E eu, simplesmente esperava....
…ouço-a cantar, és tu Mónica ou é a Joana? Quem a canta mais que a vida? É o campo ainda a sonhar no azul limpo da madrugada!! Ou talvés seja a lida das folhagens sobre a alma? Ondula incerta em mim ainda a razão daquela luz incandescente que vos fez cantar para além da vida! Se eu pudesse ser a consistência incandescente do céu quando o poente desce a fino ouro, aquele que nos envolvia, oh céu! Como ainda o sinto! - Dizes bem, Joana, o seu braço ao teu redor, ao nosso, os seus beijos,os seus abraços, que nos fazia esquecer a ceia da tia Julia. Ah, poder ser “tueu” de novo!! Nós.
…caminhava sempre ao seu redor. Já nada via para além de nós. Somente um grupo faminto de lobos que descia da montanha. Joana cantava hinos ao sol até que as estrelas descessem sempre na madrugada. Lembravam-me a manhã que chegava cedo, mesmo que não se ouvisse a minha voz. Esta minha loucura dispersa por todos os cantos deixava-me sempre desligada de tudo. A vida é um círculo imenso. A minha voz já não é o que era. São timbres desafinados, notas esquecidas. Madrugadas silenciosas. E eu cantava baixinho numa escala enfurecida, ,até que te visse chegar..
São memórias consagradas aos meus ouvidos, que a idade não as faça perder, porque a minha vista também já não é o que era, por isso a recordação é a minha consolação, são os meus olhos e já não precisam de socorro. Quereis o quê com esta minha idade de 85 anos? Amanhã preciso de ir à eira para dar continuidade à obra da terra. A saudade me espera e lá a amargura dilui-se derradeira . Pode ser que chova e a água plante ao nascer, uma raíz qualquer e eu me vença por lá e volte de novo a nascer!! 
..quero, desejo nascer de novo. Que seja através das palavras, as que se escrevem, e até as que ficam no baú de histórias ainda por contar....aguardo uma nova história.

Autoras:
 Mileta Menezes e Dolores Marques
Imagem::
Isabel Silva

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Ciclos

Terminar
Como todos
Os movimentos
Circulares
De um ponto
Nas sombras
Inscritas
Nas paredes
Em branco
De um salão
Onde se poderá  ler:

final do verão
início de uma nova estação


Dolores Marques - 2013

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Apresentação da autoria de Graça Pires, no lançamento de: Homem-Árvore

Apresentação da autoria de Graça Pires, no lançamento de: Homem-Árvore
"“Homem-Árvore” Carlos Teixeira Luís´

Sábios os caminhantes
os que não param na sombra
nem na curva da estrada verde  […]
Assim começa o livro Homem-Árvore de Carlos Teixeira Luís.
É o 3º livro do poeta, que publicou em 2008 Tijolos de verde rudee em 2009 Histórias do deserto.
Homem-Árvore. Qual o motivo da escolha deste título? Nos interrogamos todos.
Sabemos que a direção da luz e do vento indicam de que lado irá crescer uma árvore. A luz e o vento são metáforas que assentam bem na comunicação estabelecida entre estes poemas que associam intimamente a vida e a linguagem.
 […] um homem árvore feito raiz mistérios de luz que a poesia sublima[…], refere o poema da p.42 ou, então, lemos na p.74:
Quando o vento oferece árvores
ao meu caminho é a hora tardia de
fechar os cantos de sombras do bosque […]

Homem-Árvore. Porque, certamente, a poesia transmite, à vivência do autor, a verticalidade de um tronco que não verga perante a inconsistência dos sonhos.
Falar de poesia é uma tarefa problemática, mas muito estimulante.
Não vou entrar em análises teóricas ou técnicas. Vou ficar-me pelas emoções, pois os poemas têm o poder de reconfigurar os nossos sentidos.
O autor poderia dizer como Herberto Helder: “A manhã começa a bater no meu poema. As manhãs, os martelos velozes, as grandes flores líricas. Muita coisa começa a bater contra os muros do meu poema”.
Penso poder afirmar que, neste livro, a poesia é o fio condutor de todo o texto. Como se fosse poesia da poesia que ajusta a estética a uma ética pretendida. Nele (no livro) se esconde e se revela um dinamismo singular, em que os poemas se abrem à nossa sensibilidade, atingindo frontalmente quem os lê.
Podemos seguir o poema da p. 14.
Ninguém dá por nada – pelo fio de luz
da janela ao canto do móvel com memórias
retratistas pelo choro na madrugada fria de gente
pelo gemido pelo último gemido dum crepúsculo
pelo brilho da calçada e dos passos corridos
para a estação das névoas pelo sorriso tímido
duma mulher feliz que diz adeus com a sua sombra
pelo gato que já não caça o pó dançante
porque adormeceu pelo poema fechado
no abrupto mundo do livro esquecido
Ninguém dá por nada até darem por si 
no olho do furacão e serem domesticados
pela própria borrasca.

Nas palavras de Carlos Teixeira Luís somos levados, de forma subtil, numa peregrinação da linguagem, em busca da compreensão do mundo. Linguagem, essa, que é como um fio inesgotável a tecer os dias.
(O poeta finge seu mundo e seu mundo finge que merece o poeta, nos alerta o autor no poema da p.16.
Mas essa busca, que traduz o seu imaginário, é uma busca ansiosa. Um pretexto para nos apresentar a vida em linguagem poética, nos incluir nela e a sobrepor às lembranças que nos cabem. Leia-se no poema da p. 38:
Procuro um tema procuro o tema
não sou nada sem outros será o meu tema 
os outros […]

No entanto, há um cruzamento de vários temas representando um vínculo entre a imaginação e a memória, ou as nostalgias que captam a luz e as sombras.
O poeta recusa o lirismo que se abstrai dos outros, da vida concreta. Porque a poesia quer-se dádiva, promessa, testemunho, aviso. A poesia está atenta às circunstâncias da vida que formam e informam o poeta.

Mesmo não tendo em conta o sentido biográfico, podemos analisar estes poemas como uma projeção da vida na forma como espelham as angústias, a confiança, o modo de estar no mundo.

O poema é melhor que o poeta. Quem o afirma é o autor (p.23) que reclama na poesia o seu espaço criativo, o seu lugar de liberdade, indiferente ao desdém e ao “verbos daninhos” já que
[…] Loucos são os poetas que dizem e
tornam a dizer o indizível são loucos
porque inventam novas palavras para a
palavra amor que ainda seja amor […] (p.32)
Em alguns poemas do livro há a introdução de personagens que servem de mediadoras do poeta que as faz emergir na cena do poema e lhes dá a palavra.
Por ex.: (p. 53) GRITAM AS MULHERES: - eles
matam a rua sangrando-a A guerra
a guerra dos dias travada assim tão impoluta
a guerra que nunca mais nos serve
mas nos sorve.

Ou lamenta o NARRADOR: - 
Volto aos mesmos passos
para onde vou? nem deus nem o diabo
sabe que as pernas calcaram todos estes caminhos de pedra esquecida […] (p.57)
É como se o autor falasse através do sentir das personagens, recuperando, ao mesmo tempo, a sua própria voz, numa espécie de diálogo-monólogo, que imprime aos poemas um ritmo inesperado.
Falar de poesia é uma tarefa problemática, repito.
Falar da poesia deste livro é saber descobri-la. É deixarmo-nos surpreender porque Somos corrente contínua de sangue nervos e sonho (p.19) e Somos folhas de árvore sempre verde. (p. 37).
Podemos, portanto, conceber a leitura deste “Homem-Árvore” como um cerco de sonho e de vida. E de poesia naquilo que ela tem de secreto, de sublime, de absolvição e horizonte de esperança.
[…] Sábia a ode velha cantada por todos 
os ventos mesmo os ventos da noite (p. 26).
Escrever poesia é um acto íntimo onde se confundem a solidão e a partilha, a memória e a emoção.

É o que nos revela Carlos Teixeira Luís, a quem não é alheio o saudável convívio com a leitura de poetas em cujo universo imagético se reconhece.
então retorno ao meu secreto caminho
todas as sombras do bosque nascerão
mais uma vez num novo setembro (p.79)
É com estas palavras que o autor acaba o seu livro.
E eu termino também porque não é necessário acrescentar mais palavras ao sentimento do poeta.
O livro está aqui. À espera que o leiam. Desejo que esta breve apresentação ajude a atrair sobre ele olhares interessados, críticos e cúmplices.
Obrigada.
                                                       7 Setembro 2013
                                                         Graça Pires"

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

Além do nada





Nada se sabe
não se pode ainda 
saber nada
nada se define
mas tudo pode ser
e até acontecer 
se tudo quisermos ser
e ver além do nada 
que somos

Dolores Marques - Ônix 2013