sexta-feira, 28 de junho de 2013

Tranquei a noite

Esta noite, tranquei a noite no seu próprio espaço. Fechei-a a sete chaves e risquei nas paredes brancas, um único traço dentro de um circulo imaginário, contrariando a imagem refletida daquele lugar .
Cansou-me aquele espaço com paredes nuas e as roupas bem passadas a ferro, guardadas nas gavetas e penduradas nos cabides dos roupeiros. Abrem-se as portas destes, e há dias que me parece saírem de lá de dentro, fantasmas com cores distintas - os engomadinhos do passado. Lá, não existem, nem gravatas e nem chapéus, caso contrário, poderia até imaginá-los pendurados nos círculos traçados nas paredes – espantalhos num pano de fundo branco.

Em suma, decidi-me então por outro com as paredes já pintadas de vermelho. Dá para sentir que ali, é um bom espaço com um pano de fundo virado para futuro. É um espaço, onde ainda se podem construir sonhos, se me lembrar de outros que se batizavam com água benta de todos os domingos em que não se ia à missa. A moldura pendurada na parede, exibe ainda um rosto cândido, uns olhos meigos, e por sobre o cabelo, uma tiara feita de flores naturais que se destacam sobre uns cabelos negros. Colado ao corpo um tecido claro de cetim, realçando as mesmas flores em tom dourado.

Só não sei ainda, se em cima das paredes pintadas de vermelho, cairá bem uma ou outra tela, onde despejei alguns tubos de tinta e as deixei ao abandono.

Preciso escolher as novas cores! Antes, não tinham um espaço. Tinham sim, um sítio onde se encontravam com alguns pontos brancos no “epicentro” da minha vontade. Era mais do que nada, talvez um ponto negro gigante – furúnculo a sumir-se por entre a tez branca e esquelética de um espaço em branco.


Dolores Marques – Dakini –Eventos 2013

terça-feira, 25 de junho de 2013

Veneno




Como conseguir terminar uma tela, na qual se traçou o pior do perfis?
- são linhas tortas
- são pontos escurecidos
- prazeres camuflados
- olhares dissimulados

 Enfim o olhar de quem a criou!

O seu autor, que ingenuamente bebeu do veneno que o fez lançar-se em desatino pelas negras cores, irá afogar-se no próprio veneno que sua boca ingeriu.

Dolores Marques – Dakini Eventos/11

Condenados

A vida é muitas das vezes uma cadeia onde habitam várias surpresas, enredadas e desorganizadas num espaço trancado e enlameado.

Há condenados que nunca chegam e perceber porque cometeram determinados crimes, já os que os percebem, tentam a todo o custo resolvê-los dentro de si. 
Contudo, num espaço fechado, não sabem como deixar de olhar fixamente para os muros frios, escuros e pesados.

Dolores Marques – Ônix Eventos 2013


Tela de Vincent van Gogh

sexta-feira, 21 de junho de 2013

Vendeu a alma ao diabo

Vendeu a alma ao diabo. Vendeu-a por pensar que aquela transação iria culminar com a morte do tão afamado anjo das sombras. Viver na sombra era para ele fácil, até chegar ao ponto de decidir vender a sua própria alma. E porque nas sombras, só vigora a lei da sombra, ingenuamente pensou que a sua alma passaria despercebida e que nem o próprio demónio se lembraria dela. 

Enganou-se redondamente, porque se a união faz a força, também o diabo se precaveu, ao acumular cada vez mais almas,  que desejavam obter mais-valias através da venda das suas próprias almas. 

O resultado desta transação ainda não viu a luz do sol, porque as sombras têm-se acumulado com passar do tempo. Quem vendeu a alma ao diabo ou quem a pretende vender, ter
á que esperar ainda que lhe seja concedida passagem para o outro lado, para depois lhe ser devolvida a sua alma intacta. Será aí que irá saber de que cor é a alma ou almas que o diabo carrega há milénios.


Nota; devem estar a pensar que a imagem não é apropriada. Será? Mas já imaginaram como ficaria a minha página se vos colocasse perante o óbvio, perante a imagem que poderia revelar este tipo de transação?

Dolores Marques, Dakini – Eventos/13

quarta-feira, 5 de junho de 2013

Porquê Poeta?

Chegou a noite. Esse momento distinto esse entardecer na memória, o querer saber o que se foi, o que se é 

e o que se pode vir a ser. Não se sabe nada da noite; se é triste ou alegre, se canta, ou se dança ou se é a musa dos poetas. 
Porque os poetas escutam os silêncios da noite? 
Só a noite os reconhece nesse abandono, nessa triste sina de não poderem ser donos dos seus próprios silêncios.
Adormecem vestidos e com os olhos abertos. 
Traem os seus próprios momentos.
Não sabem trancar as portas aos intrusos, aos vagabundos, aos agiotas.
Pertencem ao mundo dos vivos, e dos mortos-vivos.
Diz-me porquê poeta, diz-me porque tens em ti destinos doutros, que não o teu próprio destino?
Lamentas a guerra e a fome e a desordem natural das coisas mais simples.
És poeta das figuras abstractas, exaltas a fé 
dos que nem sabem o que isso é.
Mas sabes que há um tudo negro, assim como um tudo branco
e tudo tem a sua ordem natural de ser.
Porque o céu é “o céu” e a terra é “a terra”?
Porque o sol é o mais poderoso no universo? E a lua ali tão frágil na noite!
Poeta, poeta que me deixas nua e não conheces a cor da minha pele.
A noite é tão tua como minha e eu ainda não sei a sua cor. 
Já não entendo nada poeta. Nem sei porque o nada “é nada” e o tudo “é tudo” na tua voz poeta. 
Escuta os silêncios. Olha que eles fecundam a tua noite. Já agora porque não sugeres à noite que aceite ser cônjuge do silêncio? 

(Dolores Marques in Dakini - Eventos 2012)