sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Do ventre da terra, ouvem-se rumores

 Lamentavelmente os sonhos caem. Os pedaços repartidos, vivem assim no meio dos escombros. 
Vertiginosos são todos os lugares onde apoiam o corpo.
Longínquos são todos os horizontes onde descansam os olhos.
Imensos são todos os lugares, mas desprovidos de luz.
Grandiosos são todos os abraços, mas destituídos da magnitude dos gestos.
Sublimes, são agora todos aqueles que se preparam para cair na desordem e orientar as massas.
Caminhantes para um único fim, onde a esperança já cría raízes profundas. 
Do ventre da terra ouvem-se rumores de um tempo que irá chegar: sossegado, iluminado, espalmado num chão novo, com aromas a terra fresca e regada com as novas chuvas do outono.



Dolores Marques  ÔNIX- 2013

Sabia mas não via

Sabia que tudo o que desejava estava mesmo ali em frente dos seus olhos. Sabia mas não via. Nem mesmo com aquela luz toda a furar-lhe as retinas se convenceu.  Era a tal verdade que nascia breve, mas cedo se finava, por só caber nos intervalos das pestanas. 
Com uma escova fina tentava desembaraçá-las, e até esticá-las, elevá-las para cima. Mas, de nada adiantou. Ela descansava agora nas suas pálpebras, já meio descaídas, sofridas.

Fechou de novo os olhos e tentou a todo o custo visualizar uma luz. Uma luz por pequena que fosse, no meio daquele círculo fechado e negro. Lembrou-se da cor do chumbo que seus pés arrastavam pelas pedras negras e gastas.

Num impulso, abrem-se para a verdade nua a crua: estava ali escancarada na sua frente. Sem hesitar cerrou de novo os olhos. Momentos depois, voltou a abri-los para ter certeza da sua última visão. Nem mesmo assim acreditou e voltou a trancar-se, mas agora, por entre traços que assumiam a forma de um quadrado. Ali se silenciou.

Assim ficou o resto dos seus dias. As dúvidas dissiparam-se, quando por fim se abriu à  luz que cuidou de tudo o resto.

Dolores Marques – Dakini 2013