Chegou a noite. Esse momento distinto esse entardecer na memória, o querer saber o que se foi, o que se é
e o que se pode vir a ser. Não se sabe nada da noite; se é triste ou alegre, se canta, ou se dança ou se é a musa dos poetas.
Porque os poetas escutam os silêncios da noite?
Só a noite os reconhece nesse abandono, nessa triste sina de não poderem ser donos dos seus próprios silêncios.
Adormecem vestidos e com os olhos abertos.
Traem os seus próprios momentos.
Não sabem trancar as portas aos intrusos, aos vagabundos, aos agiotas.
Pertencem ao mundo dos vivos, e dos mortos-vivos.
Diz-me porquê poeta, diz-me porque tens em ti destinos doutros, que não o teu próprio destino?
Lamentas a guerra e a fome e a desordem natural das coisas mais simples.
És poeta das figuras abstractas, exaltas a fé
dos que nem sabem o que isso é.
Mas sabes que há um tudo negro, assim como um tudo branco
e tudo tem a sua ordem natural de ser.
Porque o céu é “o céu” e a terra é “a terra”?
Porque o sol é o mais poderoso no universo? E a lua ali tão frágil na noite!
Poeta, poeta que me deixas nua e não conheces a cor da minha pele.
A noite é tão tua como minha e eu ainda não sei a sua cor.
Já não entendo nada poeta. Nem sei porque o nada “é nada” e o tudo “é tudo” na tua voz poeta.
Escuta os silêncios. Olha que eles fecundam a tua noite. Já agora porque não sugeres à noite que aceite ser cônjuge do silêncio?
(Dolores Marques in Dakini - Eventos 2012)
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