segunda-feira, 1 de junho de 2015

Amolador

Gosto de todos os dias, porque todos os dias são coloridos, não desfazendo das noites que sempre me despertam outras caminhadas mais silenciosas.
Não é que não goste de ruídos, porque até gosto de alguns. Por exemplo, estar o dia todo a ouvir os sons provocados pelo escorregar por entre uma lona grossa, dos vários detritos de umas obras ali no edifício em frente, é qualquer coisa de sedutor, porque me leva até à janela de vez em quando.

Até já me precipitei para ela algumas vezes quando ouvia o som do amolador, que de sisudo, hoje não tem mesmo nada. Não parava de andar de um lado ao outro com a gaita na boca e o seu carrinho cheio de tralhas, que mais pareciam peças de arte antiga a captar o interesse dos turistas que se passeavam de cabelo ao léu nos novos autocarros turísticos.

Este lado da cidade é assim um misto de várias sensações, que me fazem recuar ao tempo em que os velhos chapéus-de-chuva, as facas e tesouras e até outros objectos, se mortificavam de tanto tremerem junto às mãos do amolador. Fiquei a pensar…isto porque os ruídos despertam alguns pensamentos desajustados. Também porque deste lado da cidade, ninguém se presta a sair à rua com facas, chapéus de chuva e tesouras para amolar.

O amolador deve ser assim uma espécie de peça de um museu, para dar vida à cidade que existe agora dentro de outra cidade na Zona Oriental da Lisboa. É que do outro lado da cidade, não se ouve este som, que desperta qualquer alma a precipitar-se para a janela. Qualquer dia saio mesmo à rua a tentar perceber se o amolador ganha agora a sua vida, não, a amolar objectos de tortura, mas a entreter a zona mais privilegiada da cidade.

DM/Dakini in Café da Manhã

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