terça-feira, 1 de setembro de 2009

Outros Sons

Os da Alma…

É este o momento - transportar-me para outro registo mais que disposta a tê-lo por perto, antes que ele me tenha a mim... Este registo que me não larga e se intromete com um forte desejo de me ter só... Tento esbracejar um pouco, mas há na divisão dos tempos, um só tempo, aquele que divide os momentos e os separa, para voltar a uni-los mais à frente. Este caminhar por traços inevitáveis que me levam a temer criar-me em novos tracejados, aqueles que tiram pontos e vírgulas e seguem destinos traçados nos textos que escrevo. São a nossa história, ou parte dela, neste tempo que nos resta, neste verão que quase chega ao fim, e não semeamos nos nossos corpos o sémen da vida, que eu sinto pulsar sempre que inspiro o teu sorriso e expiro o teu sopro alojado em meu peito.


Tudo se inicia na Primavera e termina no Outono, escrevi eu no inicio deste livro, mas a renovação é inevitável, é a vida a pulsar dentro de nós…(nós que somos um mundo talvez ainda a descobrir), quando chegarmos ao ponto, em que continuamos, mesmo que os registos se tenham apagado. Os gemidos terão outros sons, os da alma em constante mutação. Há nos lamentos resguardados uma dor desmedida, incolor, mas continuada, para mais à frente reescrever uma nova história. É aí que ela, a dor… se veste de branco e se refugia nas folhas soltas que estão ainda por nascer. Surgiu-me este texto, mas podia perfeitamente ser outro, se eu própria lançasse um novo olhar nestes dias de Agosto como quase um início antes do fim. Será entrar no Outono e fazê-lo florir em vez de se esvair em folhas soltas pelo chão. Aí também me encontras no meio delas, sempre que te não sinto a caminhar por entre o verão e ver-te deslizar na corrente vulcânica que me cobre o peito. Há nesse caminhar um toque de sedução, e mesmo que não queiras que te sinta nas mãos esse calor que te consome se me não tens ainda durante esta estação, serei sempre no teu olhar, a dor esvaída pelo chão.

Estaremos juntos antes do fim da nova era, que conta já com algumas lembranças nossas que vieram de signos longínquos quando o sol ainda era luz ténue no Universo. Eu temo por ti em mim, mas não esqueço que sou em ti, sempre que amanheço e anoiteço. Eu sou a fonte de onde brotam as estrelas que bebes no final do teu caminho, tu serás o sol que me rasga as vestes que me cobrem o corpo, sempre que em estado semi-acordado se abre na noite. É ela que fecunda o meu silêncio há tanto tempo guardado.

Os Do Deserto…

Há neste silêncio um desejo de se manter vivo, ter todos os momentos num só tempo, mas outros registos ficaram parados lá atrás, e aqui, não são mais do que meros episódios encenados, e bem intencionados onde as dores se aclamam, quando os gritos são só vozes sem idade. Viver sem parar e teimar em aproximar olhares fechados no templo, é manter este silêncio amordaçado e enclausurado e que já se entregou faz tempo.

Este é um outro tempo perdido nas dores que partiram em dois um momento – o meu e o teu, num só, quando os nossos corpos sumiram nas areias do deserto. Fomos levados pelas frias correntes que nos conduziram ao centro onde moravam todos os outros que nos conheciam. Mas ao fim e ao cabo, não nos mostraram como amar um desejo prostrado aos pés dos Deuses - deixaram-nos perdidos no templo. Já nada nos restava, a não ser continuar um destino que brilhou e se difundiu por entre os ecos resguardados nas paredes frias. Porque me honram eles vendo nos altares da alma, só uma figura apocalíptica, mesmo que inofensiva nos térreos domínios onde o sol se põe, quando nos mares se ouvem já os tambores de outrora? Solicita sim, pelos sons que rompem os hemisférios inteligíveis, onde o teu nome soava pelos cantos do mundo, e eu entoava cantares à tua passagem. A minha voz serena, sempre igual às vozes que ecoavam no templo, desmistificava os deuses todos, e tu, o único Deus que morava no meu peito, partias em busca de novos tempos, onde pudéssemos repousar em paz. É este um ressurgir das vozes perdidas nas profundezas do oceano. Ele traz-nos todos os mistérios guardados, quando a arca fechámos em prol de algumas lutas travadas e já resgatadas. Outras há, que fecundam as dores que pariram os novos adornos que nos atravessam a nudez da alma, ficando um resto de sombra no caminho que pisamos, elevando os nossos olhares ao céu e edificando novos sons que se tinham perdido no deserto…..

Dolores Marques in "Às Escuras Encontro-te
Fotos de minha autoria

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