Este hábito diário de sairmos para a rua e perguntarmos, “tudo bem?”, por não sabermos como nos dirigir a quem anda de cabeça perdida sem saber onde encostar o corpo. Depois vêm os cumprimentos, responde-se, que sim, tudo bem, dão-se as mãos, beijam-se os rostos, entorna-se um pingo de café na roupa e segue-se rumo ao mais que conhecido mundo onde nos lamentamos, sempre que nos cruzamos com uma chuva a mais ou um sol a menos.
“Hoje o dia está lindo, apetece sair por aí e colher sal das ondas do mar. Iodo e sol nas pernas fazem bem às varizes” dizem umas.
“Pois mas nem sempre se pode fazer o que se tem vontade. É preciso trabalhar, é preciso”, dizem umas e uns.
Depois vêm os pombos esganados de fome a picar alguma migalha esquecida por entre as pedras da calçada, enquanto outros sobrevoam os barcos atracados no cais. Ali há fartura de tudo até que chegue a hora da partida. Enquanto isso, alguém esquecido de que, há vida já, a andar num rebuliço, para que à noite se coloque comida na mesa, se ajuntam, corpo com corpo, boca com boca, braços com braços. Depois tudo muda e até parece que cidade se transforma toda nas bocas de quem tem a sede de amor a escorrer pelos dedos.
Não deve haver nada pior do que acordar com um vazio matutino, encontrando-se perante uma figura estranha no meio dos lençóis dobrados. Nada pior do que abrir os olhos pela manhã e ver que o amor sumiu por um pensamento qualquer, que acabou de partir os vidros das janelas. Pode até pensar-se que ainda não se acordou, e que se vive num sonho que espera o som do despertador para nos trazer de volta à nossa realidade. Um vazio desdobrado, um sonho dentro de outro sonho. Pior é também acordar com um estranho na cama e momentos depois ouvir sons estranhos vindos da cozinha. Na noite anterior devem ter-se consumido, um e outro, e falado palavras ao ouvido, daquelas que todos gostamos de ouvir, mesmo que saibamos que são palavras ao vento. Às vezes dou comigo a pensar que o amor devia ter como denunciar estas cenas, e levá-las para um palco construído no meio do mar. O sal seria o único tempero de um sentimento ainda em fase de preparação.
O amor é uma palavra, que, ao que parece, todos conhecem. Passam o tempo todo a falar no amor para aqui, amor para ali, mas sabe-lo no meio de tantos escombros onde guardam o ferro velho de uma vida, isso é que não. Entender os humanos não é fácil. Há pessoas que sabem que sim, que o amor existe, falam dele, fazem amor com ele e por ele e passam uma vida inteira a procura-lo, para o trazerem para bem perto, mas ele anda por outras avenidas tristes onde se encontram palavras de amor em cada esquina e em cada muro esbatidas com tinta-da-china. Serão estas pessoas como se costuma dizer: o amor em pessoas? Depois há aquelas, que não estão nem aí para o amor. A sua vida é focada em outros interesses, e o amor está mesmo li tão perto e não o veem.
A vida é feita destas e de outras coisas.
DM; ÔNIX in Eventos Maio/ 2013