segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

No Meio do Nada


Famintos de um odor que os conduza ao êxtase total, acolhem do ar a densidade esmagada pela atmosfera e bafejam rastejantes na dureza fria que lhes corta o ar que respiram. Caminham sempre num único sentido, em direcção ao mar, e de lá mostram a sua verdade ao mundo triste e ensanguentado. Há esperança nos seus olhos e a dor que foi um só momento, é em todos os rostos que descansam em corpos quentes, sujos e gastos pela obscuridade que os consome a custo.

Já não me vejo à solta num caminho só meu, porque estás presente em cada esquina, por entre os becos sujos, na fome dos corpos que os habitam, mas que ao mesmo tempo, se tornam num só momento nesta confusão armadilhada de gentes fora do seu tempo. É nesta certeza imediata que reside um outro caminho que satisfaça os desejos que esperam ainda pelas searas cortadas pelo vento, cientes de uma morte anunciada num olhar escolhido de tempos a tempos.

(Há um motim à solta, morto por ser mais uma presa aberta no tempo)

Há várias escolhas, mas eu continuo por aqui junto à única fonte presente que vai escorrendo, e gota a gota vai saciando a sede de quem vive nu sobre as areias do deserto. Terra infértil, cativa de quantos os que nela viveram, e morreram, nos sulcos empedernidos, é um adorno a quem quiser ser satisfeito por nada ter neste mundo novo.

(Irei comunicar contigo através de um olhar vivo, enleio-me na fortaleza dos teus braços e em jeito de abraço, tomo-te tudo o que me foge por entre os dedos).

Amadureço deitada, absorvendo do sol tardio, a linhagem pura de um vento agreste, tornado quente, envolto em neblinas claras e mortiças que se entregam sem nome a uma boca que engole as tristes sinas. Alheios deste faminto mundo que vive numa cegueira calada e triste, neste deserto que foi tudo para nós, quando nos vimos frente a frente num duelo tornado vivo. (Há um mundo antigo para lá do sol nascente que morreu à escuras).

Encontro-te sempre que em meus braços nasçam flores, e delas absorva aromas frescos, sémen de vida em essências que claramente serão tornados habitantes de outrora, em que amar era verdade inteira a semear nos nossos corpos, habitados por essências de uma única santidade. O sagrado é só um nome que se espalha no meio do nada, e dele fará emergir novos rostos que queiram caminhar comigo.


(“ A Voz do Silêncio”
Dolores Marques)

Fotos de minha autoria)

1 comentário:

Angela Ladeiro disse...

Passei para saudar-te e ver o que andas a fazer. Coisas lindas como sempre. Um beijo