quarta-feira, 6 de abril de 2016

Lusco-fusco de um fim de tarde branco

Tive um sonho que me falou, sem precisar desabafar sobre um amor sentido no início da noite. Tudo era acalmia. Tudo se resumira à única saudade de um corpo estranho acabado de nascer.
Sentia esse movimento a despertar desejos ainda em estado latente na minha pele, por não conseguir extrair dali o essencial. Algo, que somente me permitisse segui-lo na sua viagem. Que me permitisse sentir um pedaço da sua história. Esperava que tudo se concluísse e até me conduzisse ao centro. Esse núcleo onde todos os mistérios se tocam, orientando-me os sentidos num embalo simples e belo.

Amo esse fim de tarde a cair no lusco-fusco.

É como se todo o cenário se entregasse às novas correntes passageiras. Centralizadas no espaço ocupado pela nudez dos corpos, entregam-se ao intercâmbio alegórico da ilusão.
Concluo no entanto, que por ter havido um momento distinto nesse fim de tarde, os meus olhos calaram verdades sentidas e não ditas. Nem mesmo quando os corpos se tocavam, no momento exacto da verdade ocular. Tudo se desvanecia quando as pálpebras trancavam medos num fundo invencível. Possuídos por um desejo que os difundisse por todos os quadrantes daquele universo ainda por explorar, onde se constitui o Todo Universal.

Porém, o lugar era ainda habitado por um conjunto desarmonioso das batidas incertas do sentimento.
Calei memórias. Abafei o ar ressequido com as minhas mãos fechadas! Risquei numa tela ainda virgem, vertigens de outros tempos, em que sonhava a preto e branco. Tudo era o inverso do tempo em mim. Tracei nesse contratempo, um momento só meu. Fui andando pelas ruas, onde a noite se estendera no meu corpo. Sentido, sofria, não por medo do escuro, mas por receio de se perder nesse já conhecido degredo.
Naturalmente a carne tremia. Os ossos todos em sintonia, como se a fome habitasse um beco onde tudo ali se consome. O pensamento era agora o limite do corpo. Ora fingia dormir, ora ensaiava todos os momentos abertos ainda do corpo, que não era achado nem tido pelo seu nome. Aberto em todos os poros da sua pele, enfrentou o enredo, a contracenar nos calabouços. É onde sempre se cola nos muros, a sequência habitual dos seus segredos ocultos.

A nudez presente admitiu-se no único lugar onde o fim da noite deixa de ser segredo, por quantos pontos se tocarem no momento da verdade. O sonho partiu e levou com ele todos os momentos ainda vivos, e não traídos. Nada se trai, quando afloram Invernos longos e nos deixamos levar por aquele movimento inexpressivo dos ventos e das chuvas a caírem desregradas pelos campos. O desfilar de todos os cabelos, contrai-se quando nem um pingo da chuva é relevante no fechar das pálpebras. Os medos calaram as sombras ainda antes do regresso da Primavera.

Os olhos abertos de novo para a luz, abrem as cortinas dos enganos. Espiam todos os caminhos, para o encontro predestinado. A madrugada é fria. Os corpos adormecidos, ainda enlaçados, não sabem quando, nem onde se irão tocar de novo.
O sonho partira na demanda de um ponto que ainda é luz naquele lusco-fusco de um fim de tarde, branco.

ÔNIX

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