quarta-feira, 19 de março de 2014

Silêncios


Que silêncio este
que se transforma
em hábitos
comuns dos vivos

Que silêncio mórbido
quando por nada
se agita
e por tudo se aquieta

Já os rios correm
sem conhecerem
as margens
e nem as ramagens
que tocam ao de leve
a fina corrente

Já os gritos
sacodem mundos
e estes se afundam
nos seus próprios
silêncios

Dolores Marques/Dakini
Foto minha: Rio Paiva Castro Daire

segunda-feira, 17 de março de 2014

Cruz

Malfadados pontos
em cruz
que determinam 
um ponto único 
onde nasce a verdade
cruzada nas mãos 
dos santos
que já nem sabem 
o local exacto 
onde os torpes
se alimentam

Um lamento
no tempo devido
gemidos vadios
a tocar às almas
arrombam as portas 
do céu

Terra lavrada
e pisada 
por todos
os que têm fé
nos movimentos
inconstantes
que definem
o princípio 
e o fim de tudo

Nas trincheiras 
do sonho
só um pouco 
de faz de conta,
um ponto 
e contracenar
com um contraponto

Caiu do alto da montanha
um cisco leve
já foi chama errante
por todos os quadrantes
do seu único ponto
quando a fonte secou
e não lhes lavou os pés

O sol determina
o local exacto
onde será erguida 
a cruz


Dolores Marques (Dakini)

sexta-feira, 14 de março de 2014

Um nada absoluto

Caminhei sobre a terra
descalça

Sem saber para onde ir,
fiquei por ali
alimentada por um nada
absoluto,
um culto alimentava
o medo
e cultivava o luto,
até que voltasse a primavera

Era a dureza fria
nua e crua
pisada e recalcada
sem regadios
nem estios
nem sequer abençoada
a poeira seca
onde enterrava os pés


DM(Dakini)

quarta-feira, 12 de março de 2014

Fundo do mar



Se por dor ou até por medo da morte
Me for, antes do céu se colar à terra
Se por ser assim tão certa a minha sorte
Cantarei as notas certas da melodia da serra

Mas se chegar antes do fim, ao mar
Saberei distinguir qual o Deus             
Que deixei de acolher, e ficarei a pregar
Aos ventos e brisas que já foram meus

Será essa a cruz que dividirá o espaço
Esse ponto a cortar em dois um tempo
E o fará nascer no meu olhar baço

Se por dor,  ou se por medo do acordar
Sem saber até, onde mora o sonho
Lhe direi dum sítio lá no fundo do mar

Dolores Marques /ÔNIX

terça-feira, 4 de março de 2014

Dakini


a Deusa em transe 
movimenta-se à volta 
do meu próprio centro
em tântricos desejos
até ao êxtase
na catedral do amor

corpos suados
e enterrados 
com um manto de eras comuns
à sua divindade

foco de luz descontinuado
em sentido inverso
rodopio frenético
num mimetismo aquático

submerge em prantos doces
a minha alma
que te quer degustar 
e encontrar-se
nesse mar e amar 

é como penetrar, favos de mel 
quentes, maduros
inspirar-te com um beijo 
em meio tom
e outro assim, assim…

espera-nos um céu sem cor
e uma boca escancarada 
para o mundo


Dolores Marques: Dakini - Mulheres de Areia/2010

segunda-feira, 3 de março de 2014

Em transe



a rua onde moro 
é escura no pranto
ladainha surda 
como um lobo de matilha
na voz clara 
viva de amianto

o beco onde te encontro
é mansão de luas novas
calafetadas nos beirais 
onde vive um lobo isolado

uivo quente
eloquente
em transe por mais
sempre mais…
calafrios medievais


Foto minha
Dolores Marques; Dakini -Uivam os Lobos