quinta-feira, 31 de março de 2011

Algures em terra batida

(imgem google)

- À altura da minha cabeça, só mesmo eu, para poder interagir com aquilo que vem do alto. Uma chusma de zumbidos a clarificar os sons e a tentar entrar pelos meus ouvidos. Os meus passos, um à frente e outro atrás e as batidas cardíacas agora mais acentuadas. Olho para cima e ainda falta um bom par de lanços de escadas. O cansaço venceu-me e páro por aqui. Procuro um degrau mais limpo para me sentar. Afago-o com as palmas das mãos, e o pó, é agora uma mancha escura nas pontas dos meus dedos.


- Já te tinha visto em situações idênticas, quando vais às terras altas. Aquela calçada dá cabo de ti. Não entendi ainda porque lhe substituíram as pedras originais, pois se eram aquelas formas polidas de xisto que lhe davam a graça, fazendo com que a subida fosse mais pousada, quando apoiados os pés, naquelas formas que por norma se fechavam em torno dos nossos pés. Cada pedra com a sua cor específica, fazia-me sempre voltar atrás e sentir que a cada pegada um bom par de braços a depositou ali. Agora são só pedras mal formadas e toscas, todas da mesma cor, como se pudéssemos todos ter a mesma força de braços e as mesmas formas nos pés.


- Enquanto isso, dou agora passos mais certeiros, olhado o amontoado de cascalho que não dá sinais de vida debaixo dos meus pés. Ouço-lhe o som rasgado de um choro preso nos calabouços de uma qualquer pedraria, onde o granito é tosco. No entanto, a terra sabe-o bem nas suas mais extravagantes luxúrias, sempre que se dá a ele, e ele se dá a ela. Já nem sei se os meus pés têm a mesma firmeza como quando subiam os montes, para lá se equiparem de mais uma força necessária às últimas pegadas que darei em outro chão.


- Algures em terra batida, há pegadas que se debatem para formarem círculos uniformizando a força de um bom par de braços. Já reparaste que os braços nus, deixam a nu, toda a elasticidade do corpo? As pernas serão sempre uma forma de conjugar os movimentos, de modo a que os braços sejam a força das pernas e as pernas sejam a continuação da força dos braços. Uma forma única do corpo se movimentar e não se deixar cair de bruços, sobre as pegadas que jazem mortas no chão. A terra acolherá sempre uma força de muitos braços a cair-lhe em cima, mas, se porventura as formas caírem, então a terra será a morada certa para que a vida seja sempre vida, e a morte sempre morte a caminhar para lugar incerto.

quarta-feira, 30 de março de 2011

Apresentação da Autora do livro "As Escuras Encontro-te"

(Foto de Bom Norte)

Apresentação por Sao Gonçalves no lançamento do livro - Às Escuras Encontro-te

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Estar aqui hoje sentada a esta mesa é para mim uma honra e ao mesmo tempo uma grande responsabilidade. Porquê eu, perguntei-me vezes sem conta, e como a resposta é sempre mesma é que nada acontece por acaso e se tiver que acontecer .....assim como a vida também me fez cruzar o caminho da escritora Dolores Marques, tinha que ter acontecido...estar aqui hoje. Dolores Marques é uma poetiza que se cruzou no meu caminho numa altura de mudança, numa altura em que tentava edificar novas estruturas, novos sentidos para a vida e porque de mudança e de crescimento falam os seus poemas, não foi difícil impregnar-me das suas palavras e vestir-me delas de alguma maneira, seguir-lhes as coordenadas. Dolores Marques na sua capacidade única de escrever o mundo espiritual cativa um grande numero de leitores abertos e predispostos a um novo olhar sobre a alma, sobre a espiritualidade e sobre os enigmas da condição humana, enquanto seres mutantes num mundo em evolução e caminhantes na direcção de uma nova luz.

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Quem é então esta Dolores Marques que se apresenta aqui hoje com este novo livro?

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Quem é a mulher por detrás das palavras e dos seus personagens, na sua caminhada enquanto mulher e escritora vista através do olhar que pousei indiscretamente na sua escrita.? Dolores Marques nascida na aldeia de Moção "terras altas "Castro D' Aire, nas margens do rio Paiva..como se a sua força interior já estivesse inscrita desde o berço , e o genes se alimentasse da força que emana do ventre das Serras, e das aguas de um rio que se estende por vezes calmo ,noutras ,bravio na procura das entranhas de um mar que o espera e o acolhe…Como se a rudeza e a simplicidade das suas gentes, moldasse a mulher que viria a ser escritora. Os elementos da Natureza presentes no crescimento da mulher e presentes na sua escrita, raízes que a ligam á terra e que se estendem na caminhada que a levam à contemplação de um mundo para lá do visível e terreno. São estas as raízes que moldam a mulher, os ritos e os rituais das gentes do campo, a sua sabedoria infinita dos mistérios da natureza, fundadores de uma extrutura complexa que se instala no Ser e na Alma. São os laços familiares que se cruzam e deixam como herança as memórias dos livros oferecidos na tenra infância, e cuja leituras vão marcar para sempre o percurso da mulher escritora. É nesta ligação à terra e ás suas gentes, que Dolores Marques cria o blog “Moção Uma Aldeia Esquecida”, para aqui também dar vida ao mundo da sua infância, à sua aldeia e divulgar a riqueza etnográfica e cultural da região interior do litoral do pais. Contudo, é a grande cidade com o rio Tejo a seus pés, que vê nascer a mulher escritora numa metamorfose em que a mulher lutadora se mostra ao mundo atravez das palavras que retratam a dicotomias do Ser e do estar, em que os sentimentos, e emoções, as sombras e as luzes o conhecido e o desconhecido, o corpo e a alma nos são apresentados á luz de um novo olhar.... E “Um novo olhar” é o nome do blog onde a autora mostra ao mundo a sua riqueza literária e artística, aproveitando as novas ferramentas que a blogosfera nos apresenta, para se dar a conhecer ao mundo.... É através da escrita que Dolores Marques chega até nós e nos mostra o seu lado mais contemplativo, mais feminino e questionador do seu mundo interior e visionario deste e de outros mundos, de outras eras, anteriores ou vindouras, mas que marcam e caracterizam um espirito aberto e em constante evolução.

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Dolores Marques escreve em vários estilos e com vários pseudónimos

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E é ai que contemplo as palavras da poetisa Dolores Marques, poemas que oscilam e se passeiam pelo mundo terreno e pelo mundo espiritual havendo nelas encontros quase subtis, que se tocam na sua perspectiva de encarar o mundo e de o compreender, e é neste registo que edita o seu primeiro livro de poesia em 2008.”Olhares. e em 2009 Subtilezas da alma” Ou na escrita de Matilde D' Ônix, uma escrita mais madura na sua capacidade de escrever esse mundo espiritual, onde a mulher de todos os dias, quase se extingue para dar luz ao Ser imaterial e uno que nela habita, criando textos que tem tanto de belo, como de profundo... E poderia também falar de Dakini...uma escrita mais virada para a descrição do sensual e do erotismo sem no entanto ferir, mas revelando e desvendando a marca da sexualidade emanente em cada um de nós.... E por último, as duas protagonistas, Epifania e Ainafipe, autoras de textos que nos levam a uma análise do que é mais racional e espiritual em cada um de nós, como num jogo de espelhos em que um e outro se escondem e aparecem , para no fim se formar a unicidade do Ser, no que há de mais simples e complexo, na sua capacidade de ser ao mesmo tempo, razão e espírito, na busca de um entendimento das duas partes, para que a compreensão das realidades se unifique numa só verdade.

Dolores Marques É uma escritora multi facetada que escreve de uma maneira magistral sobre todos os aspectos da vida e do crescimento interior. Nas suas mãos as palavras moldam-se de uma forma subtil aos mundos que ela quer descobrir e desmistificar. É a poetiza da alma, do mundo interior, da busca pelo conhecimento de si própria e do que a rodeia, das motivações espirituais, do conhecimento do que há de mais profundo na vida da humanidade. Há na sua escrita uma coragem de ir sempre mais além, na sua capacidade de atingir o inatingível, de se conhecer no mundo como Ser espiritual onde o corpo vagueia à mercê das incostancias e das variações do tempo que passa, e de um espírito novo que revigora na luz que que vem de outras vivências , mas e sobretudo, na luz que vem de um plano superior a este pequeno mundo onde nos encontramo


São Gonçalves


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(Trecho do livro que resume e enriquece o que acabei agora de dizer)


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“Gosto de me sentir cobrada pela terra que irá nascer e de me sentar á espera que as vozes se escoem sem nada a acrescentar. Só um eco difuso, me fará continuar sempre na divisão do mundo em pedaços. Sou a loucura antagónica que sobrevive às intempéries do pensamento, e este é um sonho que sobrevive à passagem da aurora.


- Deixai-me ser mais do que este sonho que se ergue no templo. - Vestirei as indumentárias gastas e apodrecidas nos calabouços de outro sonho.


- Tocarei as hastes engalanadas do saber, que se reproduzem em sementeiras que germinam nas entranhas putrificadas e ausentes na forma.


- Abafarei as torres que alimentam o abismo imergente nos mares e continuarei a defendê-lo, ofertando-me. O meu corpo será uma égide contra a solidão dos povos e das inconsequentes variações do tempo.”

segunda-feira, 7 de março de 2011

Máquinas do Futuro

(foto D.M.)

rostos sem cor
mendigos com dor
mãos digitalizadas
nas nuances muradas
de uma arte no escuro
prostrada à janela
rasgando o cimento
de um muro caído
esburacado
e relembrado
por todos os sem tecto
sem mundo e sem nada

areias movediças
aços enferrujados
mas já soldados
para um novo espaço
desintegrado
e abafado
pelas novas máquinas
do futuro