Exigimos mais tempo para comemorar todos os abraços, mais espaço para se alongarem os caminhos, mais tempo para as despedidas, enquanto os olhos se escondem debaixo de uma capa, de onde nem sempre se escapa. Nem mesmo os que se dão ao trabalho de se despedirem sem nada exigirem.
E ela ali está sempre poderosa e amorosa, tal como a desejamos e que dá pelo nome de felicidade. Fazemos desse sentimento prazeroso o nosso aconchego. Tanto o é, que quando nos sentimos felizes vemos o mundo ao contrário, ou seja, vemo-lo do modo que ele é e/ou deveria ser, se não o transformássemos num poço de lágrimas. Lançamo-nos em rebeldias forasteiras com passos em falso para o verdadeiro caminho. E então caímos na desgraça, na desordem, em movimentos simultâneos aos nossos corpos, sempre e remar contra marés desorientadas. Mas o tempo, no seu movimento constante, segue, e não nos pode guiar neste nosso trajecto pessoal. Esta aventura existencial.
Não se entende porque a cada vez que nos é aberta a porta para nos integrarmos nesse mundo circunstancial, mas divinamente construído, não sabemos se a porta se abriu por vontade própria, ou se a forçamos, como quem se esforça para chorar, e sem o conseguir força o desembocar de uma lágrima perdida no tempo, o tempo onde reina ainda a infelicidade.
A felicidade é o caminho, dizem e “o essencial é invisível aos olhos”, como se todos fossemos o todo num principado sem ordenamentos, mas com verdades de um mundo novo onde o essencial é o único a enfrentar o tempo.
Mas, gastamos tanto do nosso tempo a avaliar as causas dos nossos corpos inertes, sem saber dos efeitos secundários do próprio medo de ser feliz. Castrador esse ponto onde nos encontramos, para depois nos perdermos em vários segmentos de uma recta, que nada mais é do que uma linha que seguramos nas pontas dos dedos. Construa-se uma pirâmide, e retire-se dali, duas das suas arestas para dois pêndulos. A energia agora edificada, é contrária à energia que nos move a todos, aquela que ainda se sente em círculos debilitados como moeda de troca. Configuramo-nos por força das circunstâncias para essa mesma energia. Entramos numa espécie de amnésia que nos faz contrariar todos os movimentos ainda vivos. Este é o mundo da desorientada frota num imenso oceano por desbravar. A força magnética dos corpos, perpendicular à força energética que pesa agora mais para um lado. Em movimentos frenéticos nos deixamos levar. Entramos num profundo estado de meditação em dois movimentos a rodar em sentidos opostos.
Mas ela ali está sempre colada a nós. Basta para isso, imaginarmos o nosso corpo como um balançar frequente entre ruídos de um choro intenso. Configuremos então os braços para os dois pratos. Coloquem-se as palmas das mãos viradas para o céu. Imaginemos esse céu como sendo um círculo dividido em dois. Coloquemos ali os olhos.
O que se solta desse conjunto geométrico de círculos, semicírculos, linhas rectas e perpendiculares à pirâmide edificada no nosso corpo, será talvez o que pesa para a decisão final da vida. A imensidão de um sistema egocêntrico e descuidado dos valores que assumidamente se alteram, em virtude dos nossos gestos e por conseguinte das nossas necessidades. Ao seguirmos caminhos contrários, a antevisão do mundo real é uma incógnita, porquanto vivermos uma realidade que se destina a contrariar o que é, passo a passo. Realidade vs irrealidade, dividida entre as nossas mãos, agora estendidas numa versão assimétrica ao corpo da balança.
Se olharmos bem para elas e se contabilizarmos os que os nossos olhos ali depositaram, constataremos a sua verdadeira oposição. Os opostos medidos por gestos que se fundem nos olhos fechados. Neste caso tudo o que ali depositamos naquela mão agora descaída, foi o essencial mundo dos opostos, onde a felicidade espera para ganhar corpo. Nunca ela se constituirá desta forma, inadvertidamente disposta a ser somente um caminho, enquanto mantivermos esta forma desnudada mas inerte na imensa conjetura de uma pirâmide. Contabilizando tudo, veremos que rejeitamos o essencial, o que nos pode trazer a felicidade e juntamos o que nos traz infelicidade. Depois restam ainda as lágrimas que empurram a pálpebras e se soltam como rios sedentos de histórias ainda vivas e por viver, nessa correnteza enganadora que nunca vai dar à foz. Perdem-se por labirintos sem entradas e sem saídas, navega sem mastros por mares nunca navegados.
E, nesta viagem, somos somente um rio que se perde pelas fronteiras de um mundo em plena euforia que ainda corre nos nossos olhos. O corpo fundiu-se na corrente. Deixá-lo seguir o seu rumo e esperar até que o céu se abra de novo, e nos permita novas geometrias dos corpos.
Dolores Marques (ÔNIX)