já me vi em dias de sol
sem sol
que pela peneira
se repartia
à tarde no quintal
havia lamúrias
em surdos
que pareciam vento
nas levadas
havia silêncios
no entardecer
que brincavam
às escondidas
nos arvoredos
havia caminhos longos
a fazerem-se breves
nos meus passos
ainda frescos
já me vi em dias de sol
sem sol
que pela manhã
enchia as colinas
havia gigantes
adormecidos
no caminho
das giestas
havia trôpegos
corpos
a escutar
o canto dos pássaros
havia gente
que não se sabia
ser gente
já me vi em dias de sol
sem sol
a sacudir
o sino da capela
havia chuvas
pelos campos
a encher
as últimas pegadas
havia raízes tenras
a nascer
nas enseadas
já me vi em dias de sol
sem sol
a engolir
os últimos sacramentos
havia as indomáveis
árvores
ainda de pé
havia a brisa
nas suas folhas
ressequidas
havia chocalhos
escondidos
nos matagais
já me vi em dias de sol
Sem sol
a haver
será só um único
ponto
onde o olhar
se perde
no horizonte