Cometi um erro, ao permitir-me entrar num sonho que não era meu. Deixei-me conduzir por caminhos que me levaram ao abismo – esse submundo, onde só quem lá chega, sabe definir na derradeira viagem, a tormenta que se manifesta em lugares isentos da verdade.
Enquanto o meu corpo era amofinado por uma densidade estática, eu, viajante em outros mundos, não sabia como inverter o ciclo, e ser dona deste meu querer - ser de novo, no lugar onde medram todos os seres em corpos virgens e imaculados. Completava-se já a imagem que iria ser o protótipo de mim, e do outro lado, eu nem conseguia fazer acontecer um novo sonho, para voltar, e ver com os meus próprios olhos, o que estava a ser programado para dar nova vida ao meu corpo inanimado. Fiz-me então ao caminho - o mesmo caminho que me levara, e abandonei o sonho. Decidi assim, terminar com aquele cenário macabro, de me quererem transformar em algo, que nem o meu sonho permitia.
(Era um sonho devoto, mas desabrigado de todos os temporais, que por sua vez surripiavam até das copas das árvores, todos os ninhos, para que nada fosse criado e nem nascido naquele lugar).
Completava-se assim um ciclo. Na terra, cresciam já as novas tulipas brancas – a marca do futuro de todos os homens, com vontade de criarem novos sonhos de verdade. Na noite, nascia um vento miudinho, a fecundar-se na luminosidade crescente. Vi então claramente nos intervalos da luz, muitos pontos luminosos, que esperam ainda para nascer e difundirem-se como a luz forte de um farol.
Dolores Marques